domingo, 26 de janeiro de 2014

Velho, não.

Velho, não.
Entardecido, talvez.
Antigo, sim.
Me tornei antigo
porque a vida,
tantas vezes, se demorou.
E eu a esperei
como um rio aguarda a cheia.


Mia Couto

Sonnet IV: Bright Star of Beauty


Bright star of beauty, on whose eyelids sit
A thousand nymph-like and enamour'd Graces,
The Goddesses of Memory and Wit,
Which there in order take their several places;
In whose dear bosom sweet delicious Love
Lays down his quiver, which he once did bear,
Since he that blessed Paradise did prove,
And leaves his mother's lap to sport him there.
Let others strive to entertain with words;
My soul is of a braver metal made;
I hold that vile which vulgar wit affords;
In me's that faith which Time cannot invade.
Let what I praise be still made good by you;
Be you most worthy, whilst I am most true. 

Reconciliação




Há-de uma grande estrela cair no meu colo...
A noite será de vigília,

E rezaremos em línguas
Entalhadas como harpas.

Será noite de reconciliação -
Há tanto Deus a derramar-se em nós.

Crianças são os nossos corações,
anseiam pela paz, doces-cansados.

E nossos lábios desejam beijar-se -
Por que hesitas?

Não faz meu coração fronteira com o teu?
O teu sangue não pára de dar cor às minhas faces.

Será noite de reconciliação,
Se nos dermos, a morte não virá.

Há-de uma grande estrela cair no meu colo.


*****

a magnólia

 

A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor. 

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala. 
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
Perdido na tempestade, 
um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim. 

luiza  neto jorge
o seu a seu tempo
poesia
assírio & alvim
1993



este choro que arranha e lava

 / 




1
Tirava os quadros da parede. Voltava a pendura-los. Olhava. Mas quem lhe diz que visse. Repetia a mesma faixa do disco. Escutava. Mas quem lhe diz que ouvisse. Queria chegar a uma conclusão, isto podemos afirmar sem dúvida. Mas quem lhe diz que houvese. E quem lhe diz que fizesse diferença haver ou não haver. E quem lhe diz que todo o caminho não fosse exactamente não chegar. Ninguém lhe diz. De facto, ninguém lhe diz.

2
Era assim que agora saiam as palavras. Como pedras das mãos espantadas. Como gritos, como facas subitamente desferidas contra a página onde se calavam. Longe ia o tempo dos ofícios desesperados. Longe ia o tempo também das crenças iluminadas. As palavras, essas que sem querer continuava a escrever, já não sabia procura-las, chamar por elas, vagarosamente prendê-las no seu redil. E era sem que o esperasse mais feliz assim. Lábios com a forma da sua boca fechada.

3
Toda a vida tentara entender a vida, vivê-la como ideia que pudesse pensar. Só agora percebia que a vida era outra realidade. Uma brisa inesperada na face. Uma areia encravada sob a pálpebra. Nada que alguma vez tivesse pensado. Esta lágrima. Este choro que arranha e lava.


jorge roque
telhados de vidro nr. 12
averno
maio 2009



precária perda



saíste agora
para a rua,
eu fiquei
em casa
a escrever
este poema
do que ficou de ti
e daquilo que perdi,
como se fosse 
um inventário,
incrédulo
de que um dia
possa ser
definitivo

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

O horror vacui ( Horror ao vazio)



São mínimos 
os afastamentos
vamos habituando-nos
à penumbra
vai-nos bastando
a aparente
cumplicidade
da mão 
que se estende
de dentro da ausência.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira