Todos os dias, a toda a hora, uma após outra, cruzo-me na rua com mulheres que não conheço e nunca conhecerei. Algumas são lindas, outras atraentes, outras aparentam inteligência ou outra característica mental cativante, outras ainda parecem acumular tudo isso. Se, a cada vez que tal sucede, parasse e as parasse, lhes dissesse o que penso e que indícios me fazem pensá-lo (supondo que estivessem dispostas a ouvir-me), levaria uma eternidade a percorrer um quilómetro. Concluo: a vida, esta vida, apressada e inútil, feita de correrias rumo ao vazio, foi esquiçada ao arrepio da beleza e da sua contemplação. A vida é para os brutos. Para os cegos que, como diz o provérbio, não querem ver. A vida é uma moléstia ininterrupta. Ou, se calhar, viver é outra coisa que não isto, é darmo-nos o tempo de parar na rua para dizer às mulheres por que razão são lindas.
Miguel Martins, 1 Homem Sozinho
Miguel Martins, 1 Homem Sozinho