quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Ave haiku LXXV



As gaivotas no areal
pelo canto do olho espiavam o oceano
enquanto jogavam ao jogo do galo.

Lisboa, 1 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Não mais me deitar no feno perfumado ou deslizar na neve deserta.

          Não mais me deitar no feno perfumado ou deslizar na neve deserta.
Onde eu exatamente me encontro?
O que me surpreende é a impressão de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice.
O tempo é irrealizável.
Provisoriamente o tempo parou para mim.
Provisoriamente.
Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro.
O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar.
Portanto, ao meu passado, eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minha necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo.
Hoje, que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje? Não sou escrava dele. Não sou escrava dele.
O que eu sempre quis foi comunicar unicamente da maneira mais direta o sabor da minha vida. Unicamente o sabor da minha vida.
Acredito que eu consegui fazê-lo.
Vivi num mundo de homens, guardando em mim o melhor da minha feminilidade.
Não desejei e nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos.
Simone de Beauvoir

SOMERSET MAUGHAM: Duro e cruel é o mundo. Ninguém sabe por que esta­mos aqui, nem para onde vamos... Teríamos que en­tender humildemente a beleza da quietude, esforçar-nos por atravessar a vida sem ruído — a fim de que o aca­so não se desse conta de nós — e buscar o afeto de criaturas simples e ignorantes; falar pouco, viver es­condidos em nosso canto: eis a verdadeira sabedoria!

SOMERSET MAUGHAM: Duro e cruel é o mundo. Ninguém sabe por que esta­mos aqui, nem para onde vamos... Teríamos que en­tender humildemente a beleza da quietude, esforçar-nos por atravessar a vida sem ruído — a fim de que o aca­so não se desse conta de nós — e buscar o afeto de criaturas simples e ignorantes; falar pouco, viver es­condidos em nosso canto: eis a verdadeira sabedoria!

AMOR


A minha maneira de te amar é simples:
aperto-te contra mim
como se houvesse um pouco de justiça no meu coração
e eu ta pudesse dar com o corpo.

Quando revolvo os teus cabelos
algo de belo se forma entre as minhas mãos.

E quase não sei mais nada. Só aspiro
a estar em paz contigo e a estar em paz
com um dever desconhecido
que às vezes também pesa no meu coração.


Antonio Gamoneda

Corredor de Freiras



Talvez tenhas razão:
talvez a verdadeira paz
somente se encontre
num lugar escuro como este,
num corredor de colégio,
onde as raparigas se pavoneiam a cada dia,
deixando nas paredes
casacos e capuzes;
Onde os velhos pobres
que vêm pedir
se contentam com umas poucas moedas
oferecidas por Deus;
Onde, ainda cedo, por culpa
das janelas fechadas,
se acendem as lâmpadas
e não se aguarda
ver morrer a luz,
ver morrer a cor e a saliência das coisas;
Contudo, ide ao encontro da noite
com outra luz acesa ao alto,
e a alma que arde não sofrerá
a revelação da sombra.

Antonia Pozzi
Milão, 12 de Novembro de 1931
(tradução de Tiago Nené)



Os Loucos


Há vários tipos de louco. 

O hitleriano, que barafusta. 
O solícito, que dirige o trânsito. 
O maníaco fala-só. 

O idiota que se baba, 
explicado pelo psiquiatra gago. 
O legatário de outros, 
o que nos governa. 

O depressivo que salva 
o mundo. Aqueles que o destroem. 

E há sempre um 
(o mais intratável) que não desiste 
e escreve versos. 

Não gosto destes loucos. 
(Torturados pela escuridão, pela morte?) 
Gosto desta velha senhora 
que ri, manso, pela rua, de felicidade. 

António Osório, in 'A Ignorância da Morte'



Esquece-te de Mim, Amor


Esquece-te de mim, Amor, 
das delícias que vivemos 
na penumbra daquela casa, 
Esquece-te. 
Faz por esquecer 
o momento em que chegámos, 
assim como eu esqueço 
que partiste, 
mal chegámos, 
para te esqueceres de mim, 
esquecido já 
de alguma vez 
termos chegado. 

António Mega Ferreira, in “Os Princípios do Fim”