domingo, 29 de dezembro de 2013

Nesta curva tão terna...


Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti


Alexandre O'Neill

Ave haiku LXIV




Um bando de aves migratórias
escondeu o sol
os ornitólogos contaram cerca de 120 mil.

Lisboa, 29 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Ave haiku LXIII



Os pardais olham-se 
no charco de água límpida, bebem a sua imagem
e saiem com um banho de lama.

Lisboa, 29 de Dezembro de 2013


Carlos Vieira

Ave haiku LXII



No vermelho fogo do crepúsculo africano,
sobre o dorso do búfalo, pousa um anjo 
de bico amarelo que devora parasitas.

Lisboa, 29 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Ave haiku LXI



O falcão mergulhou 
no abismo, não teve dificuldade 
em escolher a presa.

Lisboa, 29 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

só (solidão)


Estamos nus como os gregos na Acrópole
e o sol que nos mira também os fitou.
Mas fazemos amor de relógio no pulso.


Rui Knopfli

Um homem tinha três gatos

.

Um branco, um preto, e um branco e preto. O gato branco era mau, o preto era bom, e o branco e preto era assim-assim. Para atenuar as diferenças e promover a boa convivência, o homem pintou de preto os bigodes do gato branco, de branco os bigodes do gato preto, e de verde os bigodes do gato branco e preto. O gato branco com bigodes pretos e o gato preto com bigodes brancos ficaram com muitos ciúmes do gato branco e preto com bigodes verdes. E este ficou com ciúmes daqueles por outras razões. Os ciúmes eram tantos e tão variados que o homem foi tomado de uma febre terrível e começou a cuspir bolas de pêlo. Morreu num ápice. Os gatos enterraram-no no sótão.


Rui Manuel Amaral