quando as soltamos já não há regresso possível ninguém pode não dizer o que já disse apenas esquecer e o esquecimento acredita é a mais lenta das feridas mortais espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo e vai cortando a pele como se um barco nos atravessasse de madrugada
e de repente acordamos um dia desprevenidos e completamente indefesos
um perigo as palavras
mesmo agora aparentemente tão tranquilas neste claro momento em que as deixo em desalinho sacudindo o pó dos velhos dias sobre a cama em que te espero
A mulher espera as noites e também os dias, esperta o lume enquanto, esperta a espera. Há umas quantas coisas que a prendem, coisas que arrecadou para a vida e já não servem. Quem serve é ela e serve a Deus desfiando o rosário pelos que já lá estão. Por aqui vai-se indo, vai-se levando a vida para o outro lado enquanto se esperam dias melhores, dias mecânicos, a labuta dos músculos, a cabeça em paz e a noite cansada, os pensamentos cansados, o sofrimento cansado só quer estender o corpo até de manhã. Quando mal nunca pior, o café quente, o pão acabado de fazer como se fosse cedo e as mãos na sua azáfama pudessem fazer os dias gloriosos as noites luminosas com que sonhou e já não servem. Agora só a espera e as coisas que foi arrecadando para a morte.
O vagar da mulher é dissemelhante do vagar dos homens e das coisas. O vagar da mulher contrai cada pretérito à milésima, ocupando cada milímetro pela sexagésima parte do segundo mais breve. O vagar de qualquer mulher dilata-se em mil partes desiguais a um todo. A mulher não executa a presença desmembrada das coisas, sem antes as invocar como domicílio próprio. A mulher segura de frente os edifícios caiados na tijoleira das costas, suporta as urbes fixas no eixo dos seus pulsos, faísca pelas luminárias ausentes de centelhas já extintas. O vagar da mulher nunca descuida a largura do antecedente, sem antes se esvaziar na obsessão intermitente do perímetro do verbo mais presente. A mulher é, igualmente e inteiramente mais mulher, na suspensão variável dos homens e das coisas. Os seus ângulos flectem-se na equidade ímpar das esperas. As suas mãos inclinam-se no ponto equidistante do vazio. A mulher cumpre o tempo a tempo inteiro, sem suprimir a duração menor da unidade. O vagar de cada mulher é célere e voluntário, e em tudo se apressa à lentidão demorada de um vaso caído.