sábado, 28 de dezembro de 2013

Natal Branco



Foi um Natal Branco
e molhado à luz velada e um lençol frio 
e desinfectado onde foi embrulhado no hospital.

Lisboa, 28 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Ave haiku LX



Vou a correr para dentro da noite
todo o conhecimento me abandona
só se pode voar se apenas a solidão nos acompanha.

Lisboa, 28 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Ave haiku LVIX



Lá fora na noite gélida 
daqui até à orla da floresta apenas a silhueta
de uma ave noturna traída pela lua cheia.

Lisboa, 28 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Os poemas...


Os poemas podem ser desolados
como uma carta devolvida,
por abrir. E podem ser o contrário
disso. A sua verdadeira consequência
raramente nos é revelada. Quando,
a meio de uma tarde indistinta, ou então
à noite, depois dos trabalhos do dia,
a poesia acomete o pensamento, nós
ficamos de repente mais separados
das coisas, mais sozinhos com as nossas
obsessões. E não sabemos quem poderá
acolher-nos nessa estranha, intranquila
condição. Haverá quem nos diga, no fim
de tudo: eu conheço-te e senti a tua falta?
Não sabemos. Mas escrevemos, ainda
assim. Regressamos a essa solidão
com que esperamos merecer, imagine-se,
a companhia de outra solidão. Escrevemos,
regressamos. Não há outro caminho.

Rui Pires Cabral

Cuidado...

Cuidado. O amor
é um pequeno animal
desprevenido, uma teia
que se desfia
pouco a pouco. Guardo
silêncio
para que possam ouvi-lo
desfazer-se.


Ruy Cinatti

não sou anterior à escolha



Não sou anterior à escolha
ou nexo do ofício
Nada em mim começou por um acorde

Escrevo com saliva
e a fuligem da noite
no meio de mobília
inarredável

atento à efusão
da névoa na sala.

Sebastião Alba

Beija-me




Sobre a areia fria, húmida do mar,
No sal da espuma alada
Que afaga de onda em onda os nossos pés,
No cintilar das estrelas álgidas, solitárias na noite,
Sobre os ossos lisos de corpos esfacelados e sangrentos.
Ajuda-me a lutar,
Envolve-me em teus braços
E deixa-me chorar a minha solidão
E a tua.



Teresa Balté (Poetisa Portuguesa, 1942- )