Sebastião AlbaNão sou anterior à escolhaou nexo do ofícioNada em mim começou por um acordeEscrevo com salivae a fuligem da noiteno meio de mobíliainarredávelatento à efusãoda névoa na sala.
sábado, 28 de dezembro de 2013
não sou anterior à escolha
Beija-me
Sobre a areia fria, húmida do mar,
No sal da espuma alada
Que afaga de onda em onda os nossos pés,
No cintilar das estrelas álgidas, solitárias na noite,
Sobre os ossos lisos de corpos esfacelados e sangrentos.
Ajuda-me a lutar,
Envolve-me em teus braços
E deixa-me chorar a minha solidão
E a tua.
Teresa Balté (Poetisa Portuguesa, 1942- )
Ave haiku LVIII
Falta-me o voo excêntrico das aves
e o "looping" do teu corpo nu a escorregar
das nuvens para os meus braços.
Lisboa, 28 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira
Excerto de " A Sibila" ( Agustina Bessa Luís)
«É esta a mais grandiosa história dos homens, a de tudo o que estremece, sonha, espera e tenta, sob a carapaça da sua consciência, sob a pele, sob os nervos, sob os dias felizes e monótonos, os desejos concretos, a banalidade que escorre das suas vidas, os seus crimes e as suas redenções, as suas vítimas e os seus algozes, a concordância dos seus sentidos com a sua moral. Tudo o que vivemos nos faz inimigos, estranhos, incapazes de fraternidade. Mas o que fica irrealizado, sombrio, vencido, dentro da alma mais mesquinha e apagada, é o bastante para irmanar esta semente humana cujos triunfos mais maravilhosos jamais se igualam com o que, em nós mesmos, ficará para sempre renúncia, desespero e vaga vibração. O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstracto, mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem nome.
Eis Quina, exemplo de energias humanas que entre si se devoraram e se deram vida. Vaidade e magnífico conteúdo espiritual foram os seus pólos; equilibrando-se entre eles, percorreu um extremo e outro da terra, venceu e foi vencida, sem que, porém, as suas aspirações mais inquietantes deixassem de ser, no seu íntimo, as mesmas formas incompletas, chave da transfiguração que os homens eternamente tentam moldar e se legam de mão em mão, como um segredo e como uma dúvida.
Eis Germa, que, embalando-se na velha rocking-chair, pensa e pressente, sabendo-se actual relicário desse terrível, extenuante legado de aspiração humana. Nas suas veias, estão todos os infinitos estados do passado, no seu cérebro condensaram-se muitas e muitas experiências que não viveu, as negações e afirmações ocupam vastos espaços da sua alma. Ela move-se ritmicamente baloiçando-se naquela sala onde se recolhem em pilhas as maçãs; todo o ar rescende a maçã que suga da própria pele a frescura e dela dessangra o suco que acrescentará a reserva da polpa viva, ainda por todo o Inverno.
Eis Germa, eis a sua vez agora e o tempo de traduzir a voz da sua sibila. Talvez, porém, o seu tempo seja improdutivo e nefasto, e ela fique de facto silenciosa, porque - quem é ela para ser um pouco mais do que Quina e esperar que os tempos novos sejam mais aptos a esclarecer o homem e a trazer-lhe a solução de si próprio? Talvez ela fique de facto imóvel no seu constante, lento ou vertiginoso baloiçar, na casa que fortuitamente habita, e a sua história fique hermeticamente fechada no círculo de aspirações que não conseguiu detalhar e cumprir, porque aconteceu ser cedo ou ser tarde, porque não se compreende ou não se crê o bastante, porque se deseja demasiado e isto é todo o destino, porque... porque...» (16 de Janeiro de 1953)
Ode ao Tejo e à memória de Álvaro de Campos
E aqui estou eu, ausente diante desta mesa — e ali fora o Tejo.
Entrei sem lhe dar um só olhar.
Passei e não me lembrei de voltar a cabeça, e saudá-lo deste canto da praça: "Olá, Tejo! Aqui estou eu outra vez!"
Não, não olhei. Só depois que a sombra de Álvaro de Campos se sentou a meu lado me lembrei que estavas aí, Tejo.
Passei e não te vi. Passei e vim fechar-me dentro das quatro paredes, Tejo!
Não veio nenhum criado dizer-me se era esta a mesa em que Fernando Pessoa se sentava contigo e os outros invisíveis à sua volta, inventando vidas que não queria ter.
Eles ignoram-no como eu te ignorei agora, Tejo.
Tudo são desconhecidos, tudo é ausência no mundo, tudo indiferença e falta de resposta.
Arrastas a tua massa enorme como um cortejo de glória, e mesmo eu que sou poeta passo a teu lado de olhos fechados, Tejo que não és da minha infância, mas que estás dentro de mim como uma presença indispensável, majestade sem par nos monumentos dos homens, imagem muito minha do eterno, porque és real e tens forma, vida, ímpeto, porque tens vida, sobretudo, meu Tejo sem corvetas nem memórias do passado...
Adolfo Casais Monteiro
Pura evasão
Hoje, é um daqueles dias que estando na cidade,me apetece o campo.
As veredas de arbustos lacrimejantes.O caminho mínimo e vertical do caracol subindo o tronco. A cal das casas antigas e dos muros, contornados pelo verde rasteiro das ervas. A expressão paciente dos rostos com rugas. O aroma do vinho novo das adegas. As capelas onde todos meditam e oram, por tudo e por todos com suas torres e sinos, onde se anunciam as horas e as mortes. As brancas escolas primárias com seus quadros negros e números brancos e o cheiro da tinta permanente.
Tenho sede das fontes e açudes com seus murmúrios e recantos de água, da fragilidade dos cântaros, da graciosidade pueril da história de amor campestre e medieval.
Regressar à lengalenga e à mímica outonal, da empa e da poda dos agricultores, abraçados às plantas nas vinhas e pomares.
Segreda-me a saudade do silêncio das noites aldeias, assando batatas doces na magia das larareiras, repetindo excertos de contos e de realidade fantástica e de coragem de que só me lembro o final, "morra homem e fique fama" e a outra, em que alguém jurava que J. aguentara, "meia hora debaixo de água", num qualquer pego.
Apetecem-me as tabernas com seus balcões altos, onde alumiando repousavam a solidez de vidro dos copos de três e a transitoriedade das cascas de tremoço.
Quero despertar outra vez com um canto do galo e avistar na crista da serra, o sol, que a seguir tropeça, refratando a dor da sua luz, numa pedra de quartzo.
Confesso e assino que hoje me apetece o campo e possivelmente se ali estivesse me apetecesse a ti, cidade, porque não descanso, enquanto não encontro refúgio, de mim!
Lisboa, 28 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira
Cheguei a casa...
cheguei a casa, pouco depois, soterrei a alma, permaneci imóvel diante dos livros. pensei, há-de haver um poema que me tire daqui, um só poema que me traga a morte com toda a benignidade do mundo.
valter hugo mãe, folclore íntimo
valter hugo mãe, folclore íntimo
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