quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Histórias do SMO I



Estava planeado o exercício que antecedia o juramento de bandeira, iria ocorrer ali paras bandas da Ajuda. Recordo-me dos vários pelotões serem transportados em Berliets antigas, do quartel de S. Paulo, em Elvas, tudo muito passado em revista e pente fino, pelo capitão P., de cachimbo no canto da boca, mestre em aprumo e rigor militar.
Ali assentamos arraiais, junto ao Guadiana, era um dia soalheiro de Maio ou Junho. A ponte quebrada, lembrava de forma pungente Olivença. No outro lado, entre os tufos de juncos e o faiscar dos raios de sol, incidindo sobre a água do rio e depois das pequenos ilhotas, uma manada de cavalos de cerca de dez indivíduos, a galope curto, levantava uma poalha dourada, na outra margem.
Depois da companhia montar o acampamento, iniciaram-se as missões, compostas de diversas simulações de emboscadas e golpes de mão, eu era aspirante e depois de dadas as devidas instruções e efetuadas as necessárias advertências. Os militares devidamente armados e ataviados, seguiram aos seus destinos, enquadrados pelos seus furriéis, progrediram no terreno, visando a atingir os objectivos definidos.
Tudo parecia correr de feição, eis senão quando, ao procurar perceber como se desenrolavam as operações, dos diversos grupos, me pareceu vislumbrar um certo frenesim, na margem do lado de Castela, inclusivé tiros de G3 que tendo origem em munições inofensivas, chamadas de salva, causavam algum alarido entre as hostes.
Na minha cabeça soaram todos os alarmes, aquele furriel pacífico, mas sem noção da responsabilidade, tinha passado todas as fronteiras da razoabilidade e estava ali com a sua secção, do outro lado da fronteira, armados de metralhadoras e todos nós muito perto de ficarmos a pão e ãgua, condenados por um qualquer tribunal militar. 
Em plenos pulmões e por rádio, solicitei a comparência imediata, do desastrado militar, sendo certo que muitos fins de semana já teria que ficar de serviço, essa era para já a pena mínima, depois de me ter colocado perante a iminência de um conflito, que poderia ser considerado mais do que diplomático.
Talvez, nos últimos trinta anos tenha sido a mais inconsequente, próximo e inconsciente arremedo de reconquista de Olivença.

Lisboa, 26 de Dezembro de 2013


Carlos Vieira

Ave haiku LI



Nos teus lábios pousou
um beijo e voou voou voou
sem ver sítio para pousar.

Lisboa, 26 de Dezembro de 2013
Carlis Vieira

Ave haiku L



Vou pelo baldio abandonado
à casa em ruínas
sobrevive o canto da cotovia.

Lisboa, 26 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Ave haiku XLIX



Naquela nesga de sol
em perigo apenas a pequena ave
em aceso equilíbrio no fio de alta tensão.

Lisboa, 26 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira



Ave haiku XLVIII



Procurei o bosque para reflexão
acercou-se afoito um passarito, insensível à temeridade
e ao afecto, disse-lhe "- Agora não, agora não!"

Lisboa, 26 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Ave haiku XLVII



Recordo-me da águia de bonelli,
aos sete anos de idade sabia da nidificação, da plumagem,
que o sonho era ver mais longe e nâo estava em vias de extinção.

Lisboa, 26 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Ave haiku XLVI



O silêncio 
esse pássaro que é canto
e asas e mágoa a crescer dentro de nós.

Lisboa, 26 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira