terça-feira, 22 de maio de 2012

lapidação



flores secas à tua volta prostradas

sob a pedra da primavera da vida

estou sentado no murmúrio da raiva

e tu cresces nos espinhos e das ervas

tão quieta derrotas a terra dura

depois de apedrejada dormiste

debaixo do frio e da pedra macia

e triste por minha mão cega atirada

na tua morte hoje és a ave lapidar

e o seu canto o bater do coração

onde te ouço de novo sem perdão

o mais puro beijo das cerejas exultar



Lisboa, 22 de Maio de 2012 

Carlos Vieira


                                                                           “stoning woman”

domingo, 20 de maio de 2012

Amor de Verão


Tão leve, no fim da noite subtil onde te encontrava por acaso, conseguia ler nos teus lábios o início da madrugada, entre conchas e grãos de areia, sorrias como se fosses inacessível e continuavas a pedalar nessa bicicleta que tinha arrumado na memória, junto dessa gaivota em que te desvendava a raspar as dunas da véspera
Hábil era teu gesto tranquilo que erguia o astro lúbrico e provocava outro solstício, na destreza de dedilhar os minutos, depois de teres dormido com o tempo.
Naquele banco de madeira em frente ao mar, tu eras muito mais calma e experiente que a palmeira secular. Da tinta lascada eu desviava os barcos que se dirigiam a ti e desprendia o teu rosto das redes de pesca.
As ondas, na altura, caiam logo ali tímidas, aguardando um deslize dos teus pés macios no gume dos seixos.
Lembro-me que um dia a chover desesperadamente na praia do passado, também chovia na esplanada quase deserta, tu estavas de pé, bem presente, molhada, tu estavas de costas, o mar cinzento estava em frente, espiava-nos a todos, tu a escorrer desafiava-lo, ostensivamente.
Chegou um navio cruzeiro e o mar escondeu-se nas falésias, alguém mandou observar-nos por uma escotilha a estibordo, tentando perceber a fundo, a razão da nossa distância. Tu sabias que o maior perigo podia advir daqueles que se mantém distantes, sem razão aparente.
Depois vieste à noite, eu descortinava-te nesse engano das luzes, na forma como a aprisionavas, na ternura de filigrana das tuas mãos.
Nesse tempo fazias os navios enlouquecer, que se perdiam na solidão dos rochedos, nesta história que recordo tu eras apenas minha, o meu farol e a minha âncora.
Por vezes, voava nas tuas mãos pelo pinhal, ficava colado ao doce perfume da resina do teu tronco, os teus beijos afogueados e as exclamações selvagens e incompreensíveis do teu gozo, afoguentavam todos os animais e deixávamos moldado na areia, a tempestade dos frenéticos movimentos de um amor precário, a seguir devorámos camarinhas.
Antes disso tentei perceber, descolar suavemente todas aquelas camadas de memórias de anos de praia, limpá-las cirurgicamente, tentar compreender, as nossas primeiras palavras. Finalmente, percebi tardiamente que as primeiras palavras eram os nossos olhares.
No meu coração ousei, o primeiro gesto de Setembro, eu temia-te breve, o teu último gesto de amor foi o teu adeus que entendi como um abraço sem fim.
Lisboa, 20 de Maio de 2012
Carlos Vieira

The Music Of The Night (Legendado).wmv

A ESCOLHA DE SOFIA(1982) - momento da escolha

Tindersticks - Another night in

Lizz Wright - Speak Your Heart