sexta-feira, 27 de abril de 2012

ESTHER OFARIM You know who I am

O amor é um ouriço

pelas fragâncias  da horta
e da noite o ouriço passeia
uma coroa de espinhos

no branco sujo da lama
e da sombra o ouriço
leva um aguilhão na alma

no focinho pontiagudo
do ouriço sorriem seus olhos
pequenos penetrantes

o ouriço esse último
nómada e acerado animal
tem sonhos de rosa e rouxinol

ouriço do silêncio
bicho das manhãs de orvalho
e subtileza de um rasto

esconde-se atrás
de um tímido arbusto
ouriço é inesperada lua

ouriço é o coração
fechado sobre si mesmo
com espinhos por dentro

Lisboa, 26 de Abril de 2012
Carlos Vieira

“rapariga com ouriço” por Mikejohnson

quarta-feira, 25 de abril de 2012

George Orwell

Lilies of the valley

revolução tranquila


                                                                                   “The house was quiet and the world was calm.

                                                                                     The reader became the book; and summer night”

                                                                                      Wallace Stevens







pétala

grito coado de seiva onde se tece

o pensamento da luz e do silêncio

e o primeiro canto livre dos espinhos

de coragem



sílaba

nos lábios de veludo onde renasce

a escola da ternura e o espanto da porta aberta

o azul é apenas o mar à volta das palavras

de viagem



perfume

das manhãs sobre o tronco da liberdade

que desperta e nos abraça desajeitada

e na sua timidez ainda seduz os pássaros

de passagem



lâmina

que te corta as cordas em que corre agora o sangue

dos teus pulsos e se reinventa nessa flor caída

no chão da história onde germinam tranças de sonho

de miragem



lágrima

página de água que se solta do cárcere da carne

véspera de dor que vence a vasta solidão do areal do tempo

e nas conchas das tuas mãos se oferece em sede de perdão

e de paisagem



cópula

onde cada átomo é o testemunho de puro prazer

em cada um se aprende que somos o vento e o céu e a vergonha

e cada gesto mais penetrante do amor que buscamos nos encontra

mais selvagem



pétala ou sílaba

de perfume e lágrima

lâmina da cópula

onde chora

onde cheira

onde sangra

a revolução tranquila



Lisboa, 25 de Abril de 2012

Carlos Vieira


                                         “ Farmer Sitting at the Fireside, Reading” de Van Gogh