sábado, 21 de janeiro de 2012

Melody Gardot "La Chanson des Vieux Amants" (Jacques Brel)

A Gota de Orvalho

A gota de orvalho
cai na tua face
e desce
aos meus lábios.
Sem mácula
sem mágoa
nada se esquece
no ciclo da água

20-04-2011
Carlos Vieira

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

TRIJNTJE OOSTERHUIS (TRAINCHA) - ON MY OWN

Hubert Laws - Pavane (1971)

WINTERPLAY / SONGS OF COLORED LOVE

Rachelle Ferrell - I can explain (live)

Pequeno texto em memória de uma perda irreparável


O teu sorriso media o perímetro do lago e a pedra ao sobrevoá-lo beijava a superfície da água no teu olhar, sem sombra de medo nem de mágoa, corria o suor pela face e o afago da tua mão pelas tábuas. Depois o gesto único de um prego cravado bem no meio do silêncio.
Tu aprendias a voar num escadote, trapézio dos teus dias de um espectáculo sem público onde dizias adeus com um pincel a pintares ao de leve a brisa e misturando as cores mudavas as paredes do tempo.
Ali estavas tu contorcido sob o tampo da escrita, ali moldavas na tua bondade e paciência infinita a mais insensata ignorância e o mais ingrato desprezo.
Recordo-te no teu afável saber e do afecto tranquilo com que acendias as lâmpadas, nessa interligada erudição de fios, de amizade e interjeições de espanto.
Depois ias devagar até à tristeza dos canos e nós descansávamos nas nuvens de silicone derramado, inventavas essa solução transparente dos pequenos gestos e das palavras sopesadas na tua destreza de apertado espaço.
Preenchias de solidão a fuga das folgas e desfazias os imponderáveis das portas e das janelas e das gavetas e dos poetas que gemiam sem porquê e tinham mortes de véspera, de correntes de ar.
Ias pelos mistérios dos telhados e pela clarividência das frestas e perturbava-te a pobreza na claustrofobia dos sótãos, os vestígios de saberes definitivos e tantas vezes agachados, apercebi-me da tua incompreensão e da tua verticalidade simples de sol de Inverno.
Era notável o esplendor da tua entrega perante esta democracia de saguão, essa morte que te levou meu amigo é pequena demais, pois não se apaga assim a grandeza do teu silêncio e a alegria dos teus pequenos gestos a sobrevoar o lago da memória que beija agora o teu eterno sorriso de pedra.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2012

Carlos Vieira

(Pequena homenagem ao "Toni")