sábado, 14 de janeiro de 2012
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Pequenas histórias avulso por Lisboa
Foto de autor desconhecido
Carlos Vieira
Pequenas histórias avulso por Lisboa
não, não nasci em Lisboa, ela nasceu por dentro de mim
nesse concerto nocturno das águas tépidas
do banho da vizinha do andar de cima
meu primeiro sonho molhado
floresceu em centelhas e na destreza amável de carteirista
enquanto corria célere o eléctrico pela Estrada de Benfica
num Novembro estridente
a esvoaçar nos estribos corriam os sonhos tangíveis das crianças
depois aquele irromper de um rugido de leão com cio
no meio do bairro e das flores e dos pescoços de girafas
que mordiam a savana e o asfalto e as grades do zoo
havia aquela caixa de sapatos com sortilégios de bichos-da-seda
sulcando calmamente as nervuras das folhas de amoreira
primeira lição de liberdade no adejar das frágeis borboletas
já nesse tempo havia corridas de barcos de papel
entre ancoradouros de sarjeta
sobretudo nesses admiráveis dias de chuva
e utopias de néon
acendia-se e apagava-se a liberdade
no curto circuito da esperança de vida
e dos furtivos gestos de amores proibidos
como berlindes aquecidos dentro dos bolsos
jardins da infância na cidade que nunca seriam confinados
pois persistia sempre essa clandestinidade
de escorregas e baloiços
recordas-te, levavas pela mão a incansável e fria
solidão dos semáforos
a ordenarem as emoções e jogos de paciência
estremeço ainda perante essa suprema arte das corridas
de caricas no lancil e tu esperavas horas a fio a medo atrás da porta
os pequenos passos da censura
tenho este calafrio no cais das colunas dos mergulhos pagos
a essas crianças grandes que dali partiam e ali chegaram
desconhecendo ainda que tinham apenas aquele rio como destino
à margem do testemunho
nos seus olhos cresceram duas gaivotas cozidas “a ponto luz”
e a graça de um miradouro cinzento de asas cortadas
lembro-me de celebrares pequenos negócios matutinos
na feira da ladra
daquelas grandes misérias dos pequenos delitos
dos pequenos objectos de valor estimativo
e de enganares a fome
afogueada de aguardente velha rugias um fado vadio
das calçadas e dos pés descalços
que em algum momento dentro de nós persistem
depois e durante aquela ancestral rouquidão
que nos tolheu
olhavas a ponte sequestrando o sul e o sol no Bugio
e os cacilheiros tolerados pelos navios no estaleiro
pressentindo o teu corpo cercado de solidão
sob uma diáfana camisa de forças
os táxis nas suas loucas corridas intermináveis
a fintarem os bons costumes
nunca se enganavam nos caminhos
as esplanadas das palavras cruzadas e de cafés
com pouco açúcar e das damas antigas esborratadas
de pinturas
e dos livros proibidos e dos muitos nós
do nosso reconhecimento
acreditavas nas feridas dos Cristos e nas navalhas
essas luas ensanguentadas
que uivavam nos becos
a tua mão pousada nos rendilhados e esplendores
de luz e de pedra
e tu ficavas extasiada na Fonte Luminosa
essa prodigiosa flor de água mansa
a propósito do nada
são célebres as esperas e o adeus para nunca mais
a partir das torres de Belém das nossas vidas
de partidas e de chegadas
sobretudo da ausência dos que ficaram pelo caminho
perdido na estufa fria dos labirintos de flores e aromas
reconheço-te nas sete colinas que formam
a corola desse tempo
de pensamento único
reconheço-te no teu mais instável equilíbrio
no principio era a primeira bicicleta
no jardim do Campo Grande
em segunda mão
mas em estado novo
Lisboa, 13 de Janeiro de 2012
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Tempo de Tangerinas
Autor desconhecido
tempo de tangerinas
cárcere de aromas e ondas de sabores
adormecidos à mil anos
árvore das mil e uma asas
impávida ao ladrar dos cães
à volta das casas
e das sombras fugazes e das cores
e do teu sorriso à solta
ouço-te respirar e vigio-te a revolta
descansas incólume depois do deserto
mordendo areia
gomos de neblinas
realejo de vento junto ao poço
de um secreto desejo
de tempo ávido
de um alvoroço de tangerinas
Lisboa, 10 de Janeiro de 2012
Carlos Vieira
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Sol da meia-noite
"In Love With Woman" Gustave Klimt
Carlos Vieira
Deixo cair
a doce magia da tua noite
para que cintilem
os vestígios de suor
o cristal das lágrimas
mistérios de sémen
pois existe essa epiderme de sal
nos fragmentos da memória
o esboço do teu vulto sentado na cama
enquanto te despes
mulher hábil
serás por ventura imperfeita
e frágil
mas só tu exprimes no olhar
esse intangível reencontro da serenidade
depois da tesoura das tuas pernas
no turbilhão do amor
tuas ternas mãos sabem desfolhar
as estrelas
nos dias da indiferença
ali se despe ainda a penumbra do teu corpo
que nu se pode erguer como um sol
e derramar a cal
sobre aquilo que calam os muros do tempo
e os musgos da infâmia
Lisboa 8 de Janeiro de 2012
domingo, 8 de janeiro de 2012
sábado, 7 de janeiro de 2012
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