segunda-feira, 1 de abril de 2013

Reincidência


Foste o encontro furtuito

mulher de um momento

antes de um atalho

no canavial

abrigo do vento

pelo caminho das pedras

por entre as tréguas do musgo

a seguir às nádegas

vislumbro

na blusa molhada

um rouxinol a respirar

e se entreaberta

o intenso perfume

das primeiras chuva

a arfar

sobre o teu corpo nu

resvés da demência

e restolho da perdiz

num verão inesquecível

sobre o trigo

o meu dedo indicador

ainda vai pelo luar da tua pele

perpendicular

ao voo de melro azeviche

riscando o pomar

lembras-te

do espinho encravado

a dar início à dor

da ausência

de um final de tarde

e tu ávida a escorregar

para as margens violentas

do meu peito

a luz truculenta

dos teus olhos e das tuas unhas

a seiva do fruto que sorviam

teus lábios vermelhos

onde surpreendia

acesas manhãs

e erravam animais suaves

que saíam do nevoeiro

do tempo

a onde havia de chegar

a alegria transbordante das ribeiras

palavras vagas

que beijam a quilha triste

dos barcos de última viagem

encalhados na recôndita memória

murmuram-te

palavras que depois

se soerguem como feras

emboscadas

no rumo excêntrico das ancas

sonhando o túmido apogeu

dos teus seios

estrelas arquejantes

que na sua clarividência subtil

adornam na concha

das minhas mãos

em puro silêncio

apenas quebrado

pela cadência de bátegas chuva

sem sombra de pecado

que volta a cair

fria

e despertam de novo em mim

ou apenas me revela

a poesia

um recorrente desejo

de rever-te

neste meu ciclo frenético

de estações

de regresso ao local do crime

ao rumor

de um amor reincidente

à mesma mulher breve

de neve

cristal de reencontro

furtuita fonte


da eternidade.


Lisboa, 1 de Abril de 2013

Carlos Vieira




                                                     Les amoureux de Vence (Marc Chagall)

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