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sábado, 28 de dezembro de 2013

Pura evasão




Hoje, é um daqueles dias que estando na cidade,me apetece o campo.
As veredas de arbustos lacrimejantes.O caminho mínimo e vertical do caracol subindo o tronco. A cal das casas antigas e dos muros, contornados pelo verde rasteiro das ervas. A expressão paciente dos rostos com rugas. O aroma do vinho novo das adegas. As capelas onde todos meditam e oram, por tudo e por todos com suas torres e sinos, onde se anunciam as horas e as mortes. As brancas escolas primárias com seus quadros negros e números brancos e o cheiro da tinta permanente.
Tenho sede das fontes e açudes com seus murmúrios e recantos de água, da fragilidade dos cântaros, da graciosidade pueril da história de amor campestre e medieval.
Regressar à lengalenga e à mímica outonal, da empa e da poda dos agricultores, abraçados às plantas nas vinhas e pomares.
Segreda-me a saudade do silêncio das noites aldeias, assando batatas doces na magia das larareiras, repetindo excertos de contos e de realidade fantástica e de coragem de que só me lembro o final, "morra homem e fique fama" e a outra, em que alguém jurava que J. aguentara, "meia hora debaixo de água", num qualquer pego.
Apetecem-me as tabernas com seus balcões altos, onde alumiando repousavam a solidez de vidro dos copos de três e a transitoriedade das cascas de tremoço.
Quero despertar outra vez com um canto do galo e avistar na crista da serra, o sol, que a seguir tropeça, refratando a dor da sua luz, numa pedra de quartzo.
Confesso e assino que hoje me apetece o campo e possivelmente se ali estivesse me apetecesse a ti, cidade, porque não descanso, enquanto não encontro refúgio, de mim!

Lisboa, 28 de Dezembro de 2013

Carlos Vieira

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A Cidade


A cidade

repousa anestesiada num berço de luz

em que ficamos simples, impávidos e nus

em que nos cingimos ao falsete da voz

que nega a cidade grávida dentro de nós.



A cidade

nos dias de sol, onde o nada acontece

embrulhada no cerco de voos de pardais

a casa ali está húmida naquilo que parece

em punhos que lhe rebentam pelos beirais.



A cidade

no rosto suado da mulher que sustive

num tempo de lhe moldar o suave declive

de lhe compor os cabelos em desalinho

de lhe escutar o canto e de servir o vinho.



A cidade

das palavras a secar nas pautas dos estendais

dos contrapontos de gatos em noites estivais

em aromas de alecrim e de hortelã sem razão

de morder a romã em 2m quadrados de solidão.



A cidade

das arquejantes velas em fatias de azul turquesa

a sobrevoar o olhar cruzado no império da tristeza

nos quarteirões os pombos desfiam antenas

cagam as estátuas enquanto arrulham poemas.



A cidade

de águas furtadas onde se enroscam tapetes persas

exótica exalas o oriente no caril impregnado das sedas

há pequenas encenações e adereços da glória  e da fome

cínica assistes ao acessório e efémero sucesso sem nome.



A cidade

de janelas da vida entrecortada das pessoas

histórias de quadradinhos, de persianas e de névoas

no deve e haver dos bancos, filas de gente em vigília

poupam de baraço ao pescoço nos sonhos da família.



A cidade

das coisas excessivamente óbvias e das rotinas do decoro

inocentes na pedra da praça, a fruta e o peixe que te devora

as melancias e as suas desmedida esperança de sementes 

que na suave fragrância das folhas de louro adormecera.



A cidade

da mulher das flores sempre com a mesma vida a medo

na mesma temperatura e delicada desmesura

na coroação do amor e no xaile negro amortalhada

com as rosas nas mãos e nos lábios o ocaso do segredo.



A cidade

onde se mastigam jornais de massa tenra ao pequeno-almoço

entre um galão e uma meia torrada, uma meia notícia

do correspondente de guerra que nunca terá sido fria

de alvoroço de ruas juncadas de crianças mornas quase vivas.



 A cidade

de jornais onde escorre o sangue e a tinta e o sangue

onde se faz mínima a justiça pelas próprias linhas

só nas margens das páginas se vive nos limites

em fuga às escabrosas entrelinhas das manchetes.



Minha cidade

porque caminho ínvio te meteste

não é bom augúrio o teu céu ébrio de gaivotas

percorro os teus jardins e praças e esplanadas

explica-me porque recusaste o que prometeste

porque acolhes mansamente o gesto dos déspotas

que esconderam traiçoeiros o gume  das espadas.



Minha cidade

luminosa, dos homens ávidos de palavras e de ideias

porque não voltas a desembainhar o lume das flores

e não és outra vez a primavera no adro das aldeias

numa explosão de abraços, de cores e de verdade.



Lisboa, 11 de Abril de 2012

Carlos Vieira


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