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sábado, 20 de junho de 2015

Análise superficial do hábito externo


Saber dos segredos
inconfessáveis da tez
aquela cor
de quem dá início ao Verão
dos pequenos eixos
rumos mais ou menos incisivos
cercados seixos de angústia
altos e baixos relevos
de um rosto de meia idade
observar com minúcia
o tricotado mínimo da pele
onde se urdiu o desejo
e ainda há pouco
se pressentia o coração
e onde agora
desvendados aromas
se libertam
se confundem
jardim profícuo
onde se tornou difícil
o acesso dos pássaros
e do olhar
da posição das mãos
pode-se adivinhar
o silício do medo
um silêncio pesado
que ainda ecoa
uma memórias dos passos
que antecederam

na prece
e na alegria
interrompida
e que desagua em delta
e resplandece
em vermelha contradição
pela estranha
cumplicidade dos poros
no território
de um corpo abandonado
sobre as ervas
numa nudez ebúrnea
em que uma única ferida
no seio esquerdo
borbotando
se pode confundir
a um botão de rosa
que se animou
e o ermo triângulo
do seu sexo fechado
a um desespero sem nexo
em decúbito dorsal
último reduto
daquela violenta solidão
que avança
vertiginosamente
para todos os interstícios
do agora cadáver
que ninguém
reconhece
página voltada
abandonada
à eternidade
evidência
de beleza breve
da morte
que se confunde
com o sono.
Lisboa, 20 de Junho de 2015
Carlos Vieira


Desenho de Harry Clarke