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sábado, 28 de dezembro de 2013

blues da morte de amor


já ninguém morre de amor, eu uma vez 
andei lá perto, estive mesmo quase, 
era um tempo de humores bem sacudidos, 
depressões sincopadas, bem graves, minha querida, 
mas afinal não morri, como se vê, ah, não, 
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz, 
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes, 
ah, sim, pela noite dentro, minha querida. 

a gente sopra e não atina, há um aperto 
no coração, uma tensão no clarinete e 
tão desgraçado o que senti, mas realmente, 
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não, 
eu nunca tive queda para kamikaze, 
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida, 
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber, 
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim. 

há ritmos na rua que vêm de casa em casa, 
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali. 
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha 
no lusco-fusco da canção parar à minha casa, 
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente, 
minha querida, toda a gente do bairro, 
e então murmurarei, a ver fugir a escala 
do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah, sim. 

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"