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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Sinfonia Fantástica, de Berlioz


Programas, poetas, sonhos de ópio,
 pastores pipilando, e as guilhotinas,
 e o sábat das bruxas ao som do Dies Irae,
 comédia melancólica e sarcástica
 de romantismo sentimental e crítico
 desesperadamente triste de si mesmo,
 na solidão do espírito perdido
 num mundo burguês sem fantasia,
 sem mais maravilhoso que o da infâmia,
 sem mais espanto que o da hipocrisia.
 Tudo isto com bem pouca reserva,
 bastante vulgaridade, muito efeito fácil,
 e um colorido por vezes novo rico
 como os cristais e as pratas dos barões banqueiros.
 Mas é música, violentamente
 música. Agressivamente
 música. Os ritmos
 de cadência, colorido, timbres,
 estilos, tons - é tudo música.
 Da solidão romântica imensamente pública - mas solidão.
 Da amargura romântica tremendamente amena - mas uma amargura.
 Da raiva de não ser o mundo uma obra de arte,
 um indivíduo, a glória, a liberdade.
 Música pungente, irónica, raivosa,
 ainda saudosa das doçuras clássicas
com deuses imortais (de pedra branca).
 Se não sentimos isto, porque a grosseria
 cresceu à escala cósmica, nenhuma culpa
 acaso cabe a tais visões sonoras,
 em que a tristeza sabe imaginar-se
 tão puramente um canto de oboé,
 com percussões pontuando o mundo a que assistimos,
 ao som dos arcos e metais:
 grandeza caricata deste inferno amável
 (cheio de róseas profundezas - e assassinos).

23/10/1964
Poesia II, Jorge de Sena