sábado, 12 de julho de 2014

A pobreza desavergonhada II



Só tem a roupa
que traz vestida
um andrajoso farrapo
desfraldado estandarte
suave tecido
em que começa a viver
a morte
ainda bem que é Verão
e moda o rasgão 
está leve
só lhe dói a fome
não lhe pesa a carne
sempre sobra
alguma coisa
no caixote de lixo
mais perto de si.

Lisboa, 12 de Julho de 2014

Carlos Vieira

A desconhecida floresta dos corpos



A pequena farpa de escárnio incendeia a floresta
onde transgride a petulância dos duendes
a faúlha que surge das sombras onde te enredaste
numa solidão de espinhos e no riso trocista das amoras
cúmplices da articulada estratégia das aranhas
e quando te desenvencilhas do labirinto
o banho de luz da clareira enxagua-te o corpo
e a clarividência dos trilhos tolda-se
face à planeada exuberância dos odores
que gravitam à tua volta
nunca serei o mesmo depois que comunguei
o crepúsculo das alcateias e o rumor secular dos cedros
sempre  que agora te tocar ficarei bastante perturbado
pela tua distância e pela minha fragilidade
as florestas negras que atravessei correm-me nas veias
confundem-me perante os mistérios do amor
e os impropérios com que me excitas
e a sofreguidão que nos devora.

Lisboa, 12 de Julho de 2014

Carlos Vieira

-Online Browsing-: Don Hong-Oai. Photography in the style of a tradit...

-Online Browsing-: Don Hong-Oai. Photography in the style of a tradit...: Don Hong-Oai was born in 1929 in the city of Guangzhou in the Guangdong Province of China. He is often described as a Chinese artist, but ...

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Que falta nos fazem as palavras



Há dias
em que as palavras
nos fogem
por mais que lhe estendas as mãos
e lhe ofertes os lábios
e nos esqueçamos do corpo
elas não se aproximam
ou partem
de nariz no ar
empertigadas
sem dizer palavra
como se esse silêncio
ou essa tolerância
fosse a coragem
sem um adeus
esvaem-se
enrolam-se na língua
diluem-se nos espasmos
grãos de areia
que se evadem entre os dedos
e nós ficamos mudos
de tantos medos
atónitos
despojados dos escudos
da resposta
que apenas aquelas palavras
nos garantem
cegos
de folhas que se apagaram
perante o absurdo
redigido
de não poder nomear
o dia e o objecto
e de tu seres
para lá da timidez
das palavras
que ficaram entaladas
na garganta
o único ser vivo
que ainda me atrevo a soletrar
és o corpo
refúgio das palavras
sobreviventes
apenas
uma rubrica efémera
de luz.

Lisboa, 11 de Julho de 2014
Carlos Vieira


quinta-feira, 10 de julho de 2014

O poema é a pele do poeta




a pele 
da serpente
agita-se
enroscada
no tronco
do arbusto
acena
em silêncio
memórias
que arrastou
na areia 
do deserto
a serpente
deixou 
a sua pele
no e para
o mundo

Lisboa, 9 de Julho de 2014
Carlos Vieira

segunda-feira, 7 de julho de 2014

The worker's plea

workers plea.jpg

As cabras devoram...

As cabras devoram
os papéis
que esvoaçam 
pelas valetas
uma a uma 
o poeta encaminha 
as palavras 
para o redil
antes que a lua
o transforme em lobo
e os versos
em arame farpado.

Lisboa, 7 de Julho de 2014
Carlos Vieira