sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

SOLITUDE

SOLITUDE


Hoje é a grande noite do Joe, com uma leitura pública
o seu trabalho será finalmente reconhecido.
Tem vinte e três anos e várias vezes já se lembraram
do seu nome para uma residência artística.
Lizzie, a melhor do curso de escrita criativa,
também vai lá estar com a nova namorada,
o seu cabelo negro lampeja para toda a gente, parece um
corvo desaustinado quando entra em clubes literários.
Até Bonnie, a gigante americana, foi convidada,
e já acabava de se vestir no seu quarto
quando se lembrou, sem omitir um sorriso,
que ainda ontem à noite lhe ocorrera o suicídio,
numa mão um copo de barbitúricos,
na outra um livro manuseado.
As luzes do dormitório apagam-se, uma a uma
desaparecem as paredes  de  contraplacado
pejadas de recortes  da  Norton Anthology of Poetry 
e de frases que dissecam a morte da filosofia.
Os amigos vão juntos até Hampstead ver o Joe, 
onde dizem que tudo realmente acontece. 
Colocam gravatas uns nos outros, em casa juntam
todo o álcool que conseguem, sentem o peso
de cada uma das frases antes de partirem no comboio.
Da janela ainda vejo estes poetas a mijarem com vontade
sobre as roseiras, um fumo místico levanta-se
logo onde começa a propriedade privada.
Dou uma volta completa à cozinha comum,
largo um esgar indisposto para o lado,
inspecciono a carpete onde esmagaram beatas,
invoco os meus colegas para os detestar um a um.
É então que os olhos brilham e subo à mesa
onde se projeta a minha glória infinita. 
Digo as palavras que só eu imagino ouvir: 

«nesta noite tão especial, não consigo dizer
como vos estou agradecido por se terem
esquecido aqui de todas as bebidas.»
De Doze Passos Atrás, Artefacto, 2013.

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