domingo, 29 de março de 2015

Eduardo Galeano - Vivir sin Miedo

Pássaros sem explicação


Reabre a ferida
ave exangue
que abre 
em leque
a cauda primaveril
deixa um rasto
de sangue
no itinerário
de fuga
da solidão.
Bate as asas
prepara-se
para outros voos
nas plumas
acendem-se reflexos
de uma nova
madrugada.
Dormem
as aves pernaltas
sobre um pé
e fazem-lhe o ninho
debaixo de asa
reféns
de um precário
equilíbrio.
No seu canto
noctívago
perpassa
o estrépito
da insónia
a rodeá-las
o incêndio
de um lago.
Voa
por entre
as nuvens
e o espanto
das estrelas.
Penas
são reticências
que pairam
depois do sopro
na ênfase de um beijo
sobre a ausência
do teu rosto.
Lisboa, 24 de Março de 2015
Carlos Vieira

Já se ouve...

já se ouve o caruncho
esse acústico rumor
por dentro das tábuas
que nos envolvem
na solidão definitiva
Lisboa, 25 de Março de 2015
Carlos Vieira

Um pensamento de translação


Fui buscar a miúda
mais nova à ginástica
eram 21h30 da noite
subimos o acesso
do estádio em caracol
aguardámos
o verde do semáforo
eu estava a morrer de fome
a Matilde comentou
“Pai, gosto muito da lua!”
olhei para o céu
ali estava o satélite natural
da Terra
em quarto minguante
eu fiquei radiante
das observação
da agilidade das palavras
do sinal que me fez parar
de toda aquela
translação!
Lisboa, 25 de Março de 2015
Carlos Vieira


quarta-feira, 25 de março de 2015

Pássaros sem explicação



Reabre a ferida
ave exangue
que abre 
em leque
a cauda primaveril
deixa um rasto
de sangue
no itinerário
de fuga
da solidão.

Bate as asas
preparasse 
para outros voos
nas plumas
acendem-se reflexos
de uma nova
madrugada.

Dormem
as aves pernaltas
sobre um pé
e fazem-lhe o ninho
debaixo de asa
reféns
de um precário
equilíbrio.

No seu canto 
noctívago
perpassa
o estrépido 
da insónia
a rodeá-las
o incêndio
de um lago.

Voa
por entre 
as nuvens
e o espanto 
das estrelas.

Penas
são reticências
que pairam
depois do sopro 
na ênfase de um beijo
sobre a ausência
do teu rosto.

Lisboa, 24 de Março de 2015

Carlos Vieira

sexta-feira, 20 de março de 2015

Mais do que o sorriso

O teu sorriso
a coroar teus lábios
envolvendo o  infinito
marfim dos teus dentes
a sobrevoar a avidez da pele
na sofreguidão dos mistérios
que vais desbravando o olhar
intercalado no sufoco da espera
os remoinhos na véspera do desejo
pássaros  pelo ar soltando-se do corpo
a desabrochar no vértice do teu sorriso
 depois da demente convulsão um sereno
regresso do pensamento a que te entregas
tão silenciosamente  como se tivesse a chegar
a Primavera.

Lisboa, 19 de Março de 2015
Carlos Vieira

https://www.youtube.com/watch?v=YXuB6md9zPk

O inexplicável pretexto do nómada



Regressa ao ponto de partida
dá meia volta e avança
destemido
mete-se por atalhos
opta por estradas secundárias
na pressa de chegar
ao nada
de desfrutar a paisagem
do renascimento
ou de fugir de fantasmas
dos vícios privados
que o perseguem
do crime que não cometeu
e de que pode ser
o principal suspeito
não sabe o que quer
mas sabe o que não quer
estás exausto
não pela distância que percorreu
mas pela ignorância
do que falta percorrer
da ausência de horizonte
sempre gostou de viajar
dos desafios
mas quando ao aqui chegar
ficou indisposto
face à indisfarçável incomodidade
de ter de se adaptar
aos fusos horários
à estranheza das línguas
à falta de vocabulário
ao ocaso do sabor familiar
em Roma sê romano
saudade de recantos
que conhece
como a palma das suas mãos
o calor das cores
a firmeza dos materiais
o ritmo
ora conturbado ora sonolento
das cidades
confunde-o
a brusca mudança de cenário
intimida-o
face à extensão do tédio dos campos
o que perdemos de vista
o que esquecemos
o silêncio conformado dos animais
e a inactividade recalcitrante
das árvores
incita-o ao regresso à origens
ao detalhe e à delicadeza
do ser sedentário
do ser leal
de novo este desespero
de estar sempre a meio caminho
no epicentro da solidão
e da fidelidade
e longe da terna alegria
da sua busca incessante
sem dúvida que não pretende ser
o homem que se acoita
que se agacha
na soez cobardia das sombras
gosta do gesto firme
da discrição
e da limpidez da dávida
cruzam-se com seus pensamento
a corrupção das estações
a matemática equidistância
dos bandos de pássaros
esclarece-lhe alguns equívocos
não dorme descansa
assaltam-lhe faiscantes memórias
de navalhas e de aromas
de estalagens e casa de pasto
onde param os camiões Tir
e camionistas de longo curso
está “on the road again”
por fora do seu tempo
duplo de não sei que vida
em que sofre a dobrar
estabelece pontes e compromissos
pedem-lhe cuidados acrescidos
sem contaminações
por isso um distanciamento
exige-se-lhe mais ponderação
escreve
como se tivesse tirado bilhete
de primeira classe
impregnados dos diverso momentos
e dos múltiplos sincronismos
as vogais e os fotogramas
e as janelas interpenetrassem-se
por vezes toldam-se
à velocidade variável e sentimental
do coração
que habita periferias e aldeias perdidas
esquecidas
já não se sabe se anda de passos em volta
ou se voltou para trás
ou para frente
nunca teve grande sentido de orientação
e nunca percebeu o segundo sentido das estrelas
atrai-o sistematicamente para o vazio
o seu norte magnético
depois existe esse enigmático
apelo do mar
a que não responde
primeiro por falta de tripulação
e depois de navio
volta que estás perdoado
trás o aroma do sal
ela sonâmbula está ali ao largo da vida
onde a deixaste incrédula
na verdade
nunca se foi embora
aponta essa lâmina de traição que fizeste
a ti mesmo
incapaz de sair desse círculo
desse Gulag
que te impede a entrega
definitivamente refém
de uma ancestral
e centrífuga
necessidade de evasão.

Lisboa, 20 de Março de 2015
Carlos Vieira