domingo, 12 de outubro de 2014

Jardim nocturno IV


Abre-se
uma porta
de tasca
na meia-noite
como se fosse
uma navalha
e o aroma
a perfume barato
cruzam a rua
e o pensamento
muito bem conservado
em álcool
e o fado vadio
é maltratado
numa voz rouca
de Tom Waits
sem cor
que treme
que se esforça
ninguém sabe
se de ressaca
se de frio
era no entanto
uma porta aberta
uma mão estendida
- Quer "flo". Quer "flo"!
Se eu quisesse!
Lisboa, 11 de Outubro de 2014
Carlos Vieira

"Red rose in the dark night"

Jardim nocturno III


Em noites
de luar de sargeta
sobre o alcatrão
o movimento
das bielas
e êmbolas
no seu movimento
sub-reptício
germinam
nas manchas
de óleo derramado
um arco-irís
de néons e semáforos
e palavrões.
De súbito,
a mais profunda
escuridão
o estrépito metálico
e o chiar do travão
um cheiro
a borracha e a férodo
o ruído bruxuleante
dos pirilampos
e do sangue
de encontro às paredes
do medo.
Cumpre-se agora
meticulosamente
o protocolo
nas Urgências
depois da vida
nada mais é urgente.
Lisboa, 11 de Outubro de 2014
Carlos Vieira

www zastavki com lights of the city at night

Jardim nocturno II


Notívagos
de cigarros
pendentes
no canto dos lábios
dos Bogart's
decadentes
que divagam
pelos palcos
de outro mundo
e respondem
com sorriso
distante
ao desconforto
acústico
de alumínio
na triste
solidão
das "marquises"
perante
um amor
que não encontram
nem existe.
Lisboa, 11 de Outubro de 2014
Carlos Vieira

Valery Hugott
Foto tirada em 12 de setembro de 2014
Sorbonne, Paris,

Jardim nocturno I


O jardim nocturno
de redomas
de luz
onde insectos
voam
e para chamar
atenção
cometem
suicídio
nos estames
incandescentes
das lâmpadas.
Lisboa, 11 de Outubro de 2014
Carlos Vieira


O candeeiro do Vasco

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Apenas uma folha de ouro...


Apenas 

uma folha de ouro
no negro asfalto
e o sono interrompido
por um resmungar 
de trovão
deram início 
àquele domingo
nesta pompa 
e circunstância
de um Outono
em que desces
do meio das nuvens
molhada e nua
como é teu timbre
fazes num gesto hábil
da folha caída
um diadema
no teu porte a anunciar 
a próxima ausência
o fim doloroso do Verão
com que faremos
a generosa vindima
de mais um poema.

Lisboa, 8 de Outubro de 2014
Carlos Vieira


Uma chuva de beijos



Surpreendeu-me
a chuva miudinha
que desce pelo rosto
enevoado
da manhã de Outubro
e aos meus lábios
chega o rebelião
dos teus beijos
de água doce.

Lisboa, 8 de Outubro de 2014
Carlos Vieira




Pintura de autor desconhecido

Pouca gente fala...

Pouca gente fala 
das últimas chuvas
apenas das primeiras
precipito-me
para o intervalo
desse tempo
encharcado
ora das bátegas
ora dos pingos
do seu eterno
canto.

Lisboa, 8 de Outubro de 2014

Carlos Vieira