terça-feira, 6 de maio de 2014

Preâmbulo



Aquilo 
que aqui vos trago
é algo que vagamente
se confunde com poesia
esse bicho de vida efémera
fruta do chão
objecto pueril de reflexão
sinal perdido
de mundo interior
e estado de espírito
o outro lado da lua
do oculto de um amor
que é justo
é aquilo 
que não se diz
mas é claramente visto
inflexão da palavra
incompleta
e da outra
que não é dita
por causa da timidez
poesia maldita
envolta
numa estranha
solidão
e é tanta outra
de tempos heróica
e noutros proscrita
é vestígio do ténue aroma
de corpo da escrita
meu Deus
é um corpo
a que o poeta dá alma
e acredita.

Lisboa, 6 de Maio de 2014
Carlos Vieira



Raios parta

Raios parta
este pinheiro alpino!
todos os dias da semana
em eterno adeus
à minha janela,
vai! vai embora de vez!
cumpre o teu destino,
deixa-me a aqui
entregue,
a estes papéis e interstícios
administrativos
de bocejar
ofícios e de leis.

Lisboa, 6 de Maio de 2014

Carlos Vieira

Aqui estamos...

Aqui estamos nestas dias
de “fast food”
de solidão sem dinheiro
de escapadelas
evasão em “low cost”
a aguentar altos e baixos
do coração
com “passemaker”
e utopia adiada.

Lisboa, 6 de Maio de 2014
Carlos Vieira


um único pássaro

um único pássaro
faz-se ouvir na árvore
não sei se o canto
é de amor ou de fome
de alerta ou de espanto
não o vejo
sei que pousou
na pequena pauta
e gaiola de um pensamento
tenho agora solitário
um pássaro
aos saltos entre a angústia
e o encantamento

Lisboa, 6 de Maio de 2014
Carlos Vieira




segunda-feira, 5 de maio de 2014

Meticulosa



meticulosa
a escavação prossegue
uma sede de ânfora
toda a cerâmica fragilidade
em que se transformaram
as máscaras 
do tempo

Lisboa, 5 de Maio de 2014
Carlos Vieira

Do dia de hoje...

do dia de hoje
ficou-me
aquela flauta
feita do remoinho
de vento
intermitente
a soprar
numa fresta
da janela

Lisboa, 5 de Maio de 2014


Carlos Vieira

domingo, 4 de maio de 2014

Poema de amar desesperadamente



o nu
aceso
integral

de poro 
em poro sem paladar
corre a lágrima

para o teu delta
uma lâmina
de sal

fenda
à flor da pele
ferida vibrante

contorno
o ombro
e todo o desencontro

o teu umbigo
essa flor
destroçada

no pescoço
ao alto descansa um barco
encalhado num beijo

a língua 
no cume dos mamilos
onde um dia vai secar o leite

no baixo ventre
solta-se o teu delírio
e eu sou mais que a morte a demência

estás deitada
tuas pernas levantadas
e nas solas dos teus pés assolam vertigens

viras-te
e o pulsar do teu peito 
pede-me veemente uma ponte para o mundo

afinal após o desespero e depois da tempestade 
após os nossos corpos saciados
tudo se tornará na terra irrepetível e intemporal

Lisboa, 4 de Maio de 2014

Carlos Vieira