My old body: a ladder of sunlight, mercury dust floating through-- My forgivenesses, how you have learned to love me in my sleep.
|
segunda-feira, 31 de março de 2014
My old body
OS VELHOS IMBECIS
Que pensam eles que aconteceu, os velhos imbecis,
Para os tornar nisto? Acaso lhes parece
Que é mais adulto quando a boca descai e te babas,
E te mijas outra vez, e não recordas
Quem veio esta manhã? Ou que, se pudessem escolher,
Fariam recuar as coisas a quando dançavam toda a noite,
Ou se casaram, ou assentaram praça num Setembro qualquer?
Ou imaginarão que realmente nada se alterou,
E que sempre se comportaram como se fossem aleijados ou inábeis,
Ou ficaram sentados dias a fio de fraco sonhar contínuo
Vendo a luz mudar? Se não o fazem (e não podem), é estranho:
Porque não gritam?
Para os tornar nisto? Acaso lhes parece
Que é mais adulto quando a boca descai e te babas,
E te mijas outra vez, e não recordas
Quem veio esta manhã? Ou que, se pudessem escolher,
Fariam recuar as coisas a quando dançavam toda a noite,
Ou se casaram, ou assentaram praça num Setembro qualquer?
Ou imaginarão que realmente nada se alterou,
E que sempre se comportaram como se fossem aleijados ou inábeis,
Ou ficaram sentados dias a fio de fraco sonhar contínuo
Vendo a luz mudar? Se não o fazem (e não podem), é estranho:
Porque não gritam?
Ao morrer, desfazes-te: os bocados de que eras feito
Apressam-se a separar-se para sempre
Sem ninguém ver. É apenas esquecimento, é verdade:
Sabiamo-lo antes, mas então caminhava-se ainda para o fim,
E todo o tempo era afundado num esforço único
Para fazer desabrochar a flor de mil pétalas
De estar aqui. À próxima não podes fingir
Que haverá algo mais. E são estes os primeiros sinais:
Não saber como, não ouvir quem, perdida
A capacidade de escolha. Pelo aspecto sabe-se que estão acabados:
Cabelos cinza, mãos sapudas, cara enrugada de ameixa seca -
Como conseguem ignorá-lo?
Apressam-se a separar-se para sempre
Sem ninguém ver. É apenas esquecimento, é verdade:
Sabiamo-lo antes, mas então caminhava-se ainda para o fim,
E todo o tempo era afundado num esforço único
Para fazer desabrochar a flor de mil pétalas
De estar aqui. À próxima não podes fingir
Que haverá algo mais. E são estes os primeiros sinais:
Não saber como, não ouvir quem, perdida
A capacidade de escolha. Pelo aspecto sabe-se que estão acabados:
Cabelos cinza, mãos sapudas, cara enrugada de ameixa seca -
Como conseguem ignorá-lo?
Talvez ser velho seja ter quartos iluminados
Dentro da tua cabeça, e gente neles, representando.
Gente que conheces, mas não sabes nomear: cada um aparece
Como uma profunda perda recuperada, vindo de portas conhecidas,
Pousando um candeeiro, sorrindo de uma escada, tirando
Um livro conhecido das estantes; ou por vezes apenas
Só os quartos, cadeiras e um lume acesso.
O arbusto soprado na janela, ou a pálida
Amizade do sol na parede de algum solitário
Fim de tarde de verão depois da chuva. É aí que eles vivem:
Não aqui e agora, mas onde tudo outrora aconteceu.
É por isso que eles mostram
Dentro da tua cabeça, e gente neles, representando.
Gente que conheces, mas não sabes nomear: cada um aparece
Como uma profunda perda recuperada, vindo de portas conhecidas,
Pousando um candeeiro, sorrindo de uma escada, tirando
Um livro conhecido das estantes; ou por vezes apenas
Só os quartos, cadeiras e um lume acesso.
O arbusto soprado na janela, ou a pálida
Amizade do sol na parede de algum solitário
Fim de tarde de verão depois da chuva. É aí que eles vivem:
Não aqui e agora, mas onde tudo outrora aconteceu.
É por isso que eles mostram
Um ar de ausência confusa, esforçando-se por estar lá
Já estando aqui. Porque os quartos afastam-se, deixando
Um frio inqualificável, o desgaste constante
De retomar a respiração, e eles curvados sob
A montanha da extinção, os velhos imbecis, sem nunca perceberem
Quão próxima está. Deve ser isto que os mantém calados:
O cume que se avista onde quer que vamos
Para eles é um pequeno monte. Não saberão nunca
O que os arrasta para trás, e como irá acabar? Nem de noite?
Nem quando os estranhos vêm? Nunca, durante
Toda esta odiosa infância invertida? Bom,
Havemos de descobrir.
Já estando aqui. Porque os quartos afastam-se, deixando
Um frio inqualificável, o desgaste constante
De retomar a respiração, e eles curvados sob
A montanha da extinção, os velhos imbecis, sem nunca perceberem
Quão próxima está. Deve ser isto que os mantém calados:
O cume que se avista onde quer que vamos
Para eles é um pequeno monte. Não saberão nunca
O que os arrasta para trás, e como irá acabar? Nem de noite?
Nem quando os estranhos vêm? Nunca, durante
Toda esta odiosa infância invertida? Bom,
Havemos de descobrir.
A dificuldade de viver um grande amor
A dificuldade
de não te saber amar
de não ter estudado
de ser analfabeto
nessa arte maior
de não estar atento
de não o sopesar
de o desconhecer
quanto te é precioso
qual é o seu valor
de não o reconhecer
ou ser já muito tarde
a inoportuna dificuldade
de se fazer o lugar do amor
e do momento
que exige a humildade
de estar disponível
sempre disponível
de encontrar o gesto
das palavras entarameladas
e ter na mesa e ter os objetos
e tudo ser tão natural
o ângulo escolhido da luz
e da sua intensidade
para que possas cintilar
porque fui desconhecer
os mínimos ingredientes
de um grande amor?
depois é deixar a porta
aberta e ficarmos nós nus
e deixar acontecer
o acto delicado de despir
e o mais sagrado de vestir
saber despojar-nos
dessa vacuidade
que por vezes nos atinge
pelo preconceito de amar
sem compreender
o que devemos fazer
para trazer até nós
os que amamos
e deixar aproximar
os que nos amam
o que devemos dizer?
como os devemos olhar?
quais as palavras
que possam despertar
o fogo e sarar a dor?
e aquelas que podem
perdoar e consentir
a misericórdia
ou viver a glória
de
no amor
sermos sempre vencidos
e vencedores
este é todo o conhecimento
que carrego
isto é tudo
o que possuo meu amor
é tudo para ti
e esta vontade
de te voltar a encantar
desencantando
toda e qualquer forma
de te amar.
Lisboa, 31 de Março de 2014
Carlos Vieira
Fonte de felicidade
Um largo redondo
no meio um lago redondo
e um repuxo de água sem fim
no retângulo da janela
todos os dias os reutilizo
os revejo moldura familiar
que revisito e revejo sem fim
a mesma água às voltas
no mesmo largo redondo
o mesmo lago de sempre
meio cheio ou meio vazio
todos os dias abro a janela
pela primeira vez e hoje
de olhos marejados da alegria
de te reencontrar debaixo
do chuveiro e cresce em mim
extraordinário um repuxo
de felicidade sem preço
nem moedas no fundo do lago.
Lisboa,31 de Março de 2014
Carlos Vieira
Imagem de Anita Ekberg em “Dolce Vita” de Federico Fellini
domingo, 30 de março de 2014
Quase poemas de gente
quase poemas de gente
nómada
o sábio dos caminhos
e das bermas
dos despejos
sem habitação fixa
sem-abrigo
que não tem habitação
sábio de fissuras
de pontes
e caixas de papelão
desempregado
de longa duração
sábio do vazio
da solidão
e dos tempos
quase sempre mortos
que perde o pé
e vai perdendo a mão
jovem à procura
do primeiro emprego
sábio do nada
e do vale tudo
e que trabalha
de borla
para ganhar
experiência
e ser competitivo
mais um herói
à procura
a mãe solteira
tem extraordinária
dificuldade
em deixar o filho
para ir trabalhar
e em arranjar trabalho
porque tem um filho
sábia do amor
das pequenas coisas
e de curta duração
doente terminal
sábio dos cuidados paliativos
e da sua ausência
e de querer que a morte
venha depressa
sobrevivem na esperança
de não morrer
como um cão
e dar menos trabalho
e menos despesa
velho do interior
sábio da desertificação
sem crianças
é um facto
que só dão trabalho
porque não podemos
ter tudo
em todo o lado
e o interior também
não faz falta nenhuma
e sempre se pode tirar
qualquer coisa da terra.
Lisboa, 30 de Março de 2014
Carlos Vieira
sem passado, assalto fotografias
Sem passado, assalto fotografias
alheias e integro-as à memorabilia
mais próxima, que por acaso é a minha.
Me conta a fascinante história da sua vida,
leio num outdoor imaginário, que faria
facilmente do recém-falecido Salinger
o autor dos Minutos de Sabedoria.
A única e burra sabedoria de que somos
capazes é a de ver sumirem os nossos
um a um. Depois do avô, um cachorro,
assim sucessivamente, sem naturalidade alguma.
Cada coisa, tanta gente, para onde caminha
tão frouxo coração? À esquerda de quem entra,
diz meu personal salinger. Vou pra sala
e a sala é um poço. Bem localizado no sofá,
começo a assistir pela undécima vez
a Blade Runner. E cheio de esperança
penso no futuro de milhares de pessoas,
entre as quais, os replicantes.
leonardo gandolfi
mais próxima, que por acaso é a minha.
Me conta a fascinante história da sua vida,
leio num outdoor imaginário, que faria
facilmente do recém-falecido Salinger
o autor dos Minutos de Sabedoria.
A única e burra sabedoria de que somos
capazes é a de ver sumirem os nossos
um a um. Depois do avô, um cachorro,
assim sucessivamente, sem naturalidade alguma.
Cada coisa, tanta gente, para onde caminha
tão frouxo coração? À esquerda de quem entra,
diz meu personal salinger. Vou pra sala
e a sala é um poço. Bem localizado no sofá,
começo a assistir pela undécima vez
a Blade Runner. E cheio de esperança
penso no futuro de milhares de pessoas,
entre as quais, os replicantes.
leonardo gandolfi
Negligência ou fogo-posto
Louca
vive no fim do lugar
na margem da floresta
à noite
pousar-lhe-ia
a coruja num ombro
e os lobos
desciam as montanhas
e vinham-lhe comer
à mão
altas horas
faíscavam espantosas
fosforências
e saíam dali homens
tenebrosos
rezavam as má-línguas
que era tentada
pela poesia
e dada ao mau-olhado
o povo falava
de tudo aquilo a contragosto
até que um dia
um incêndio devorou a louca
e a sua casa
dividia-se a aldeia
comentando
abertamente ou entredentes
que tinha sido
providência divina
fogo-posto!
Lisboa, 30 de Março de 2014
Carlos Vieira
Subscrever:
Mensagens (Atom)