domingo, 7 de outubro de 2012

Um caso de electricidade estática


 

 

Pode considerar-se

um absurdo

este candeeiro

aceso  no país

o dia inteiro.

 

O Sr. José

de tão confuso

perdeu um parafuso

por isso a lucidez

e o crédito.

 

De excesso de luz

e falta  de café

ainda iria

como tantos outros

adormecer de pé.

 

O candeeiro

cansado

de tanto esperar

foi-se deitar

sem tirar os sapatos.

 

No outro dia de manhã

o Sr. José apagou-se

abraçado a um poste.

 

Nota: Foram encontrados estilhaços de lâmpadas incandescentes debaixo dos lençóis.

 

Lisboa, 7 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

HILOTAS



Hoje à tarde, andava pelo dicionário, como quem percorre as ruas de uma qualquer cidade desconhecida.
Gosto de ir de palavra em palavra, de conhecer-lhe os ângulos, os pormenores, a pátina das cores, a articulada sombra dos sorrisos e de música sonhada.
Depois de umas folhas, tropecei nesse remoto adjectivo, hilota, lembrei-me das conchas que apanhei numa longínqua e ignara praia do hem...
isfério sul, dos homens que transformam as pedras em casas e conhecem das nuvens e das aves apenas os sinais
Já tinham deixado, hirta, essa flor, essa palavra transida, ensimesmada, que se ergue nas paradas e nos exércitos, e que, em definitivo, molda o corpo dos jovens e dos mais velhos, preenchendo os hiatos das trincheiras.
Até que, finalmente, me deparei com os hilotas, de todos os países e tempos, que cada vez mais se iam concentrando na ancestral praça solar, praia, praça feita de sal e espuma, onde acorrem as ondas, as hordas dos vencedores das trevas e do medo.
Foi assim, que regressando neste Outono à praia de que são ignaros os bens falantes e os bens posicionados, a revi juncada do rumor de conchas, coalhada de ideias e do marulhar dos gritos dos cadáveres hirtos, dos nunca heróis.
Pressentia os hilotas cozidos à linha de água, de cabelos húmidos da maresia, observavam o movimento da linha do horizonte e certamente pescariam na distância o próximo futuro, o fruto maduro da liberdade que lhe permitirá, tomar o pulso de uma alegria perene, no percurso pelas palavras do coração onde hiberna o dicionário.

Lisboa, 5 de Outubro de 2012
Carlos Vieira

Parable of the Old Men and the Young


Futility ~ Wilfred Owen ~ Kenneth Branagh


Marina Rossell "Per tu ploro"


Poema a meia altura



Minha deusa de pés descalços
se desceres das nuvens
me levarás aos céus
e por breves instantes
à ilusão de vivermos fora do reino
do programa de ajustamento

Lisboa, 5 de Outubro de 2012
Carlos Vieira

Pisco-de-Peito-Ruivo



 

pássaro de boas memórias

de mínimas assombrações

menino de inúmeras glórias

 e de bravas deambulações

com intervalos de amoras

na aventura dos caminhos

onde passavam mais horas

com lagartixas e espinhos

pisco de tão subtil esvoaçar

a cruzar medos e silvados

e neste regresso ao prado

à vida dos pássaros antigos

assalta-me renovado ânimo

novos perigos outros trilhos

 

Lisboa, 5 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

 

                                                           “Robin in Hazel” por Mike Hughes