sábado, 5 de maio de 2012

Jessye Norman : "La Mort de l'Amour" (Poème de l'Amour et de la Mer) by Ernest Chausson (Part 1/2)



Ernest Chausson (1855-1899)

Poème de l'amour et de la mer, op. 19 (poem by Maurice Bouchor,1855-1929) / Poem of Love and the Sea / Das Lied von der Liebe und vom Meer)

I- La Fleur des eaux
II - La Mort de l'Amour

Jessye Norman, soprano

Lane Anderson, cello

Orchestre Philharmonique de Monte-Carlo
Conducted by Armin Jordan


Bientôt l'île bleue et joyeuse
Parmi les rocs m'apparaîtra;
L'île sur l'eau silencieuse
Comme un nénuphar flottera.

A travers la mer d'améthyste
Doucement glisse le bateau,
Et je serai joyeux et triste
De tant me souvenir Bientôt!

Le vent roulait les feuilles mortes;
Mes pensées
Roulaient comme des feuilles mortes,
Dans la nuit.

Jamais si doucement au ciel noir n'avaient lui
Les mille roses d'or d'où tombent les rosées!
Une danse effrayante, et les feuilles froissées,
Et qui rendaient un son métallique, valsaient,
Semblaient gémir sous les étoiles, et disaient
L'inexprimable horreur des amours trépassés.

Les grands hêtres d'argent que la lune baisait
Etaient des spectres: moi, tout mon sang se glaçait
En voyant mon aimée étrangement sourire.

Comme des fronts de morts nos fronts avaient pâli,
Et, muet, me penchant vers elle, je pus lire
Ce mot fatal écrit dans ses grands yeux: l'oubli. ]

Le temps des lilas et le temps des roses
Ne reviendra plus à ce printemps-ci;
Le temps des lilas et le temps des roses
Est passés, le temps des oeillets aussi.

Le vent a changé, les cieux sont moroses,
Et nous n'irons plus courir, et cueillir
Les lilas en fleur et les belles roses;
Le printemps est triste et ne peut fleurir.

Oh! joyeux et doux printemps de l'année,
Qui vins, l'an passé, nous ensoleiller,
Notre fleur d'amour est si bien fanée,
Las! que ton baiser ne peut l'éveiller!

Et toi, que fais-tu? pas de fleurs écloses,
Point de gai soleil ni d'ombrages frais;
Le temps des lilas et le temps des roses
Avec notre amour est mort à jamais.

Barbara Hendricks: "Chanson triste" by Henri Duparc


"Six Mélodies avec orchestre"
- Chanson triste / Melancholy Song
Text: Jean Lahor


Barbara Hendricks, soprano

Oslo Philharmonic Chorus
(Terje Kram, Chorus Master)

Oslo Philharmonic orchestra
Conducted by Esa-Pekka Salonen
Oslo, 1987.

Dans ton cœur dort un clair de lune,
Un doux clair de lune d'été,
Et pour fuir la vie importune,
Je me noierai dans ta clarté.

J'oublierai les douleurs passées,
Mon amour, quand tu berceras
Mon triste cœur et mes pensées
Dans le calme aimant de tes bras.

Tu prendras ma tête malade,
Oh! quelquefois, sur tes genoux,
Et lui diras une ballade
Qui semblera parler de nous;

Et dans tes yeux pleins de tristesse,
Dans tes yeux alors je boirai
Tant de baisers et de tendresse
Que peut-être je guérirai.

Ann Murray : "Chanson Perpétuelle" by Ernest Chausson

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A Woman's Way - Halie Loren

Os novos respigadores

Vasculhar, esse verbo que pode remexer no mais sórdido da natureza humana, nesse lado mais negro que nos acompanha na descida aos infernos ou na subida aos céus, no preconceito e no limite da tolerância que cultiva a escória, mesmo quando, seraficamente se vai podando e regando o roseiral.
Vasculhar, o caixote do lixo da história com as mãos de gardunho do futuro, de gadanho da fome, no interlúdio da morte, contígua a esta abominável decomposição da imundície do presente.
Os cães rafeiros são, neste cenário, o elemento que se considera mais próximo do humano, quiçá superior e são estes que nos ensinam agora, o mais elementar respeito pelas leis da sobrevivência.
Vasculhar, sentir o cérebro latejar no lado de dentro do silêncio, do desespero, indagar de forma veemente o nada, o inevitável, passar a pente fino, toda a mixórdia das hipóteses e dos lugares e, no regresso, de mãos aranha lívidas e de unhas negras, a abanar, ainda acreditamos ser possível o tecer do sonho, e virar do avesso a nossa inconsolável casa das ilusões. Dentro de nós existem fraquezas que desconhecemos.
Vasculhar, nesse emaranhado novelo de angústia ou atlas da memória onde quase nos perdemos definitivamente da esperança, depois do labirinto onde entramos. Andamos à volta de nós, procurando outro final para o fim onde nos encontramos.
Neste jardim das oliveiras, lá vamos confinando o medo onde definhamos, de forma a adiar o início da viagem sem regresso que cada vez, de forma mais assídua, nos confronta com aquilo que melhor resiste, o pior de nós mesmo.
Finalmente, depois de tanto vómito, de nos habituarmos a frequentar o esgoto e a sargeta, de tanto transigir, naquilo que juramos a pés juntos ser o nosso último reduto de dignidade, após tanto excremento na ventoinha, depois de tanta morte adiada, de todo esse estrume, as mãos em estrela dos novos respigadores vão fazer irradiar, a madrugada de uma bela e pequena flor sem nome, propagando o perfume da compaixão e das ideias, o contágio da corola de um sorriso audaz, o seu frágil caule vai-nos despertar para a alegre energia dos caminhos e dos espelhos, permitindo evitar a aridez desumana dos atalhos e a nossa sombra pegajosa de caçadores dos pântanos.
Lisboa, 3 de Maio de 2012-05-03
Carlos Vieira


         Um homem respigando numa lixeira da Venezuela no site “Requiem of Human Soul”

terça-feira, 1 de maio de 2012

mozart requiem karajan

“A morte fica-te tão bem!”


Das dunas, olhava estupefacto, o que mais me surpreendeu foram aqueles homens vestidos de nuvem, aspirando a maresia e pairando na neblina de Abril sob a praia como se fossem deuses de lupa na mão, a aumentar o caos de areia e sal. Poderiam bem ser, não fosse outros adereços, criaturas de plâncton e de espuma animada numa estranha coreografia, em “slow motion”.

Adivinhei a mancha de um corpo estatelado sob a manhã e um arraial de fitas à sua volta, fiquei por instantes toldado pela perturbação do vai e vêm azul e vermelho dos pirilampos das viaturas das autoridades, adivinhava os rabiscos e croquis dos cadernos de apontamentos dos investigadores estremunhados.

As gaivotas que passavam pelo grupo, observando distâncias, desaprovadoras, deixavam breves palpites, interrogações nas elipses dos seus voos a que não conhecia princípio, nem fim.

Uma mancha de sangue acendeu um brilho no olhar do investigador como se o sol tivesse nascido naquele mesmo instante, não lhe ocorreu com certeza mero incidente de animal ferido, não, ele estava ali para perceber aquela morte.

Aproximei-me mais da cena, tanto quanto o poder das lentes e da razão mo permitiam, não parecia haver sinal de luta ou então ela foi muito interior, anterior e ali apenas temos um cadáver sem orifício de entrada ou de saída, o que poderia não dar mais descanso.

O corpo reinava, atento à sua estratégica disposição, via-se de qualquer lado sobre as dunas, ali esteve, certamente, à espera que a maré subisse, para lhe beijar os pés descalços uma última vez.

Ligeiramente curvado e deitado sobre o lado esquerdo, aquele homem de meia-idade parecia ter adormecido e percebia-se no seu rosto a tranquilidade de quem já tinha enfrentado a morte, de quem conhece a vida.

Tinha-se barbeado e de pronto, dirigiu-se à praia que o conhecia para morrer como uma baleia, para que toda a gente o visse morto e sem ninguém, não contassem mais com a sua solidária grandeza.

A última coisa que pretendia, era causar muito incómodo, queria que a sua morte fosse limpa, sem a mínima suspeita, como quem chega à última estação e diz boa noite ao maquinista.

Nenhum cenário deveria estar afastado, crime, suicídio, morte por doença terminal, quem o tinha abraçado a última vez, quais os motivos que estiveram subjacentes àquele ritual de solidão, que ardor insustentável ou ferida ocasional, muitas perguntas estavam por fazer e por responder, nomeadamente, onde se encontravam as peúgas e os sapatos 42/44 da vítima?

Esperem, encontraram uma foto colorida - que raio, tenho as lentes embaciadas - nas suas mãos de morto amarfanhada, talvez de raiva ou do estertor da morte, disseram-me depois que era uma mulher de cabelo loiro curto e olhos azuis, daquelas mulheres que não escondiam a sua origem escandinava, no seu perfil distante, frio e de um branco imaculado, agora tinha o rosto com algumas rugas de papel fotográfico.

Não pode restar sombra de dúvida, fizeram uma busca minuciosa, apertaram o cerco, isolaram os vestígios sem contaminar, aí está, havemos de encontrar um rasto inscrito na clarividência dos flash’s e infravermelhos, a apontar o sul do ciúme ou da vingança.

Ninguém reparou que havia uma mulher a 150 metros dali, em direcção ao norte cozida com o negrume de magma dos rochedos, salpicados de tufos de erva. Parecia fumar uma cigarrilha e no seu rosto, o cabelo curto e revolto podia induzir em erro, mascarar a sua aparente serenidade ou a sua alma extinta.

Olhava a cena que se esfumava, aquela mulher poderia bem ser aquela que ligou para o 118, a que informou que se encontrava um homem morto na praia, muito friamente, de forma muito distante, como se fosse uma pessoa de família, de quem já não era muito chegada.

A seguir, dirigiu-se a um carro, um Golf cinzento prateado, que se encontrava ali, um pouco mais distante e partiu, não consegui tirar a matrícula, depois de entrar no alcatrão, desapareceu sem que me parecesse estar a fugir. Ninguém a viu ou ouviu aquela partida súbita, ninguém lhe perguntou nada, saiu de cena inexplicavelmente, antes de se tornar suspeita.

Regresso agora com pouca determinação o grupo de homens nuvem, de investigadores afáveis e reservados nesse ânimo de análise, correlação e síntese, de polícias e de cangalheiros fardados para o trabalho sujo, da contenção, da remoção, deixo-vos cada um com o seu nevoeiro e a sua clarividência, que o vento levante a areia e apague os vestígios, deixem o morto em paz ou que a sétima onda os leve a todos, que corra com eles, vão investigar para outro lado.

Eu já tenho o autor identificado a partir dos meus binóculos, ausente em parte incerta, porque o pobre diabo que jazia à beira-mar, só pode ter morrido na dor da separação e da ausência, aquela mulher só esteve ali para chorar as primeiras lágrimas e está por dentro de tudo. Depois de ver que o morto estava bem entregue, seguiu a sua vida e foi viver a sua morte longe pois não estava ali a fazer nada e tudo foi apenas uma infeliz coincidência, no local certo à hora errada.

A fotografia era de autor, um passaporte para regressar à vida. Consigo ainda ouvir as palavras do homem “Espera uns minutos mais, meu amor, antes de partir!”

Lisboa, 30 de Abril de 2012

João Carreira

                              
                                        Imagem do filme "O Sétimo Selo" de Ingmar Bergman