sábado, 3 de março de 2012

O mistério da estrada de Sintra, Eça de Queirós

Eça que é Eça, antes dos exames de DNA, da utópsia pesicológica, dos especialistas em crimes passionais e do IC19...

"Contei-lhe ontem como inesperadamente havia encontrado à cabeceira da cama um cabelo louro. Prolongou-se a minha dolorosa surpresa. Aquele cabelo luminoso, languidamente enrolado, quase casto, era o indício de um assassinato, de uma cumplicidade pelo menos. Esqueci-me em longas conjecturas, olhando, imóvel, aquele cabelo perdido.
A pessoa a quem ele pertencia era loura, clara, decerto, pequena, mignonne, porque o fio de cabelo era delgadissímo, extraordinariamente puro, e a sua raiz branca parecia prender-se aos tegumentos cranianos, por uma ligação ténue, delicadamente organizada.
O carácter dessa pessoa devia ser doce, humilde, dedicado e amante, porque o cabelo não tinha ao contacto aquela aspereza cortante que oferecem os cabelos pertencentes a pessoas de temperamento violento, altivo e egoísta.
Devia ter gostos simples, elegantemente modestos a dona de tal cabelo, já pelo imperceptível perfume dele, já porque não tinha vestígios de ter sido frisado, ou caprichosamente enrolado, domado em penteados fantasiosos.
Terá talvez sido educada em Inglaterra ou na Alemanha, porque o cabelo denotava na sua extremidade ter sido espontado, hábito das mulheres do Norte, completamente estranho às meridionais, que abandonam os seus cabelos à abundante espessura natural.
Isto eram apenas conjecturas, deduções da fantasia, que nem contituem uma verdade científica, nem uma prova judicial.
Esta mulher, que eu reconstruia assim pelo exame de um cabelo, e que aparecia doce, simples, distinta, finalmente educada, como poderia ter sido o protagonista cheio de astúcia daquela oculta tragédia? Mas conhecemos nós poventura, a secreta lógica das paixões."
O mistério da estrada de Sintra, Eça de Queirós

Estalactite I

O céu calcário
duma colina oca,
donde morosas gotas
de água ou de pedra
hão-de-cair
daqui a alguns milênios
e acordar
as tênues flores
nas corolas de cal
tão próximas de mim
que julgo ouvir,
filtrado pelo túnel
do tempo, da colina,
o orvalho num jardim.


Trabalho Poético
Carlos de Oliveira
   (1921 - 1981)

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