domingo, 12 de fevereiro de 2012

A besta




A besta
está de pé sobre o prado
e um sonho espezinhado
baixa os cornos
e nós somos o sonho
a besta cega
que cá dentro
se baixa
ou investe
por todo o lado.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2012
João Carreira

“Reflecting the beast”  Lee Zimmerman



John Sargents's Madame X

Excerto do conto Eleonora, de Edgar Allan Poe

"Os homens chamaram-me louco; mas ainda não está assente se a loucura é ou não a mais elevada das inteligências, se quase tudo o que é glória, se tudo o que é profundidade, não provém de uma doença do pensamento, de um modo de ser do espírito à custa do intelecto geral. Os que sonham de dia têm conhecimento de muitas coisas que escapam aos que só sonham de noite. Nas suas visões brumosas, captam foragidos da eternidade e estremecem, ao despertar, por verem que estiveram à beira do segredo. Captam pedaços de algo do conhecimento do Bem, a ainda mais da ciência do Mal. Sem leme e sem bússola, penetram no vasto oceano de luz inefável, como se para imitar os aventureiros do geógrafo núbio, agressi sunt Mare Tenebrarum, quid in eo esset exploraturi. Diremos, por conseguinte, que sou louco. Reconheço, pelo menos, que há duas condições distintas na minha existência espiritual: a condição de razão incontestavelmente lúcida, e a condição de sombra e de dúvida."

A Estultícia

"Da mesma farinha são os escritores que correm atrás da fama imortal publicando livros. Todos me devem muito, principalmente aqueles que sujam o papel com meras bagatelas. Quanto àqueles que escrevem eruditamente para serem julgados pela minoria dos doutos, que não recusam o juízo de Pérsio ou Lélio, parecem-me mais míseros do que beatos, porque perpetuamente se torturam. Acrescentam, mudam, suprimem, repõem, repetem, refazem, insistem, guardam o manuscrito durante nove anos, e nem assim ficam satisfeitos; o louvor, fútil prémio, e que só poucos recebem, é comprado por vigílias, por suores e por tormentos, quando o sono é a coisa mais doce. Acrescentemos o dispêndio de saúde, a perca da formosura, o cansaço da vista e até a cegueira, a pobreza, a inveja, a abstinência de volúpia, a precoce senectude, a morte prematura, e outras tantas misérias. Com tantos males obtém o sapiente apenas a aprovação de um ou outro semelhante. Ao passo que o meu escritor, delirante de felicidade e sem dura lucubração, deixa passar pelo cálamo tudo quanto vai sendo visto pela alma, dorme e transcreve os sonhos, consome apenas o papel, e não desconhece que quanto mais fúteis forem as suas futilidades tanto mais será aplaudido pela maioria, isto é, por todos os estultos e indoutos. Que lhe importa a reprovação de dois ou três doutos que porventura o leiam? De que valeria a opinião de tão poucos sapientes perante a turba imensa dos que o aplaudem? ...

Erasmo de Roterdão, em Elogio da Loucura

A Coat / Um Casaco de W. B. Yeats

A Coat (W. B. Yeats – The Responsibilities, 1914)
I made my song a coat
Covered with embroideries
Out of old mythologies
From heel to throat;
But the fools caught it,
Wore it in the world’s eyes
As though they’d wrought it.
Song, let them take it,  
For there’s more enterprise
In walking naked.

Um Casaco

Fiz à poesia um casaco
Todo bordado e com rendas
De velhas mitologias,
Do pescoço até aos pés;
Mas os asnos mo roubaram,
Usaram-no aos olhos do mundo,
Como se o tivessem feito.
Poesia, deixa-os usá-lo,
Pois que há muito mais coragem
Em passear-se em pelota.

Tradução de Jorge de Sena

A Leitura

Meus olhos resgatam o que está preso na página: o branco do branco e o preto do preto.
Ben Ammar

Moddi - Rubbles