sábado, 31 de dezembro de 2011

Viktoria Tolstoy - Aftermath

Rigmor Gustafsson - Close to you

http://www.youtube.com/watch?v=VHMPQYfPNXc&feature=related
Outro Inverno na mesma alameda de sempre

Sol de Inverno
natureza morta
 a outra para lá caminha

aves arremessadas
ao céu como pedras
do caminho

o vento corre
pelas ruas desertas
paro, escuto e olho, e nada

a chuva promete
as nuvens passam distraídas
e nós vamos com as nuvens

nesta encruzilhada
do presente a que chegamos
perdemos por falta de comparência

ficamos a tiritar de frio
e do  tiroteio nos abrigos das guerras
no tronco nu pulsa-nos um tira-teimas

no inverno a morte é mais fria
é como uma dormência no corpo todo
copo cheio de pedras de gelo

nas árvores, nem flores
nem folhas, nem frutos
daqui vos saúdo últimos resistentes

e sendo assim o conhecimento
é esta luz velada do Inverno
um tempo de misericórdia

Lisboa, 31 de Dezembro de 2012
Carlos Vieira

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O céu é das crianças!


I
Vi nos seus olhos
de menino
pântanos a levedarem a fome
escolhos de silêncio
e gritam e “es-correm” pelo jornal
nós ficamos de cabeça à roda
ou mudamos de página
como quem muda de paisagem

II
E ali ficam eles crianças
presos a nós
como grilhões sem nome
manchados pelas notícias
ficam nossos dedos
de todas as áfricas
de todas as perplexidades
neste sucessivo abuso
da sua nudez
agora embrulhada
nas primeiras páginas


III
Na indisfarçável vergonha
fazendo-se fortes
no disfarce dos medos
na agressão
da sua mão estendida
vendem pensos rápidos
na sua vida
que segue interrompida
na luz vermelha
em carne viva
em todos os semáforos

IV
Nota-se contudo o desgaste
a desilusão
as vidas e as mortes prematuras
nas elipses das cristas papilares
sinto-as todos os dias
em sapatos que nascem da sua mão
e tropeço em sonhos de pé descalço
e custos de produção

V
Uma carícia de criança
é uma flor que não tem preço
neste tempo das crianças sem ruas
e de crianças de rua
isso que fazes não é brincar
nem é esse preço que se pague
pela ternura

VI
Cada vez
há mais filhos sem família
e há mais famílias sem filhos
cada vez mais abandonados
ou completamente sós
ainda crianças e já rodeados de filhos
crianças que nunca tiveram família
crianças que são pais e mães de família
crianças que aprendendo a amar a solidão
para não ficarem completamente sós
podem ficar para sempre sozinhas

VII
Crianças
que andam “à escola”
que não andam na escola
que sempre andaram na escola
que sempre vão andar na escola
que nunca foram crianças
que serão sempre crianças
sendo certo que as escolas
são para as crianças
que as escolas são
cada vez menos
para as crianças

VIII
Crianças
que sabem escrever
e que não sabem ler
que sabem ler
e não sabem escrever
e que sempre passaram de ano
e que fintam o insucesso
na escola da vida
sem saber ler nem escrever

Lisboa, 27 de Dezembro de 2011
Carlos Vieira

A inteligência da criança observa amando e não com indiferença – isso é o que faz ver o invisível.
(Maria Montessori, pedagoga italiana)
                                                            Fotografia de Kevin Carter

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Nick Cave - Are you the one that i've been waiting for

As Cartas


As Cartas

Esperas os sinais da minha existência.
Eu transcrevo-te mas não vivo no poema.
Morro na mancha de papel. Ûma carta cai
no matagal como um pássaro. O não ser
caçadora dá-me um sentido conciso da
realidade. Nem os belíssimos perdigueiros
me sentirão passar aqui. Eles

não me vêem até ao âmago. Tudo
o que é exterior e visível como
o corpo atrai-os. Tenho um limite
onde estou e nada está. As cartas
caem diante da avidez de cães.
Vou existir onde jamais vivi.

Âmago antologia - Fiama Hasse Pais Brandão

Edward's Lullaby Original piano song

Anne Sofie von Otter w/ Brad Mehldau "Calling You" @ Opéra Garnier (Paris)

Annie Lennox - Cold

Betty Carter - Ev'ry Time We Say Goodbye

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Blue - Cat Power

Sade - I Couldn't Love You More

40 Ladrões


Ontem,
foram 40 os ladrões que adormeceram na minha casa.
Soerguem-se fantasmas  e alguns hábitos ancestrais,
após o dia de pilhagens pelo que resta da cidade.
Esgotados,
sucumbiram de cansaço
e dormem agora  
num sono de justos,
sem pesadelos,
sem remorso.

Até podia denunciá-los agora
ou distribuir o saque:
os segredos inconfessáveis das pedras
das preciosas e das outras,
as roupas de tecidos raros, diáfanos,
gaiolas de onde voam e onde regressam os pássaros,
os objectos afáveis, domésticos,
nos afectos
dos gestos de beleza crua,
vulneráveis no obséquio.

E eu sibilino, astuto receptador,
fariseu,
a manipular as contas do amor.


Os 40 mágicos
às vezes desenham o sol
no fundo da noite mais escura,
enquanto oiço o bocejar das horas,
venderam a lua ao desbarato.
  
Não há tempo
para a destreza dos beijos.

Indicam-me o oriente como quem teme
o presente,
como quem foge
às fogueiras dos ciganos,
das vidas tristes,
mostram-me golpes de mão e sorrisos,
contam-me as quedas em silêncio,
perdidos nos becos da vida,
sabem das enseadas do coração.

No gume do seu olhar
há uma infinita misericórdia,
as pessoas entregam-se agradecidas,
desarmadas,
após o canto final do amor desavindo.
                                  
Caminhantes são 40,
nem um sabe o caminho,
não querem saber.
Eu guio-os pelas encruzilhadas do vento,
pelo trilho mais longo da vida.
Acordo-os cedo,
para lhe ensinar
a vencer a fome, a dor, a madrugada.
Perco-os depois nos desfiladeiros de luz
e ao longo das margens dos regatos,
vão embriagados
pela enorme curiosidade
dos peixes,
à superfície da aventura.

Em qualquer altura
posso ser chamado a testemunhar,
o sermão e a alegria
dos que não ficaram para trás.              

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2011
Carlos Vieira

Julie London- Perfidia

ADAGIO - NANA MOUSKOURI

Erik Satie - "Caresse"

LA TAREA DEL TRADUCTOR por Miguel Morey

http://www.elpais.com/articulo/opinion/tarea/traductor/elpepiopi/20111226elpepiopi_10/Tes

"José e Pilar" - Tema: "Já não estar", interpretado por Camané no LUX

domingo, 25 de dezembro de 2011

Born In Poverty - Jimmy Dawkins

O Poema

O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de
incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do
apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há
poema verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O
poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos
nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no
mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O
poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agi-
tação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o
inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina
o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que
o mundo repudia.

José Tolentino Mendonça

sábado, 24 de dezembro de 2011

Para um reconstituição mais que imperfeita de Perséfone

Faias sem peixes e sem pássaros

Chris Connor - Feeling Good

Nat King Cole - It's a lonesome old town

Luzes de Natal

As luzes de Natal
Não iluminam
Tremem de frio

As luzes de Natal
Brilham
Vemos mais pobres

As luzes de Natal
A acender e a apagar
O sono das sombras

As luzes de Natal
No presépio
A estrela apagada

As luzes de Natal
O comércio
Não está brilhante

As luzes de Natal
A mulher mudou de rua
Não mudou de vida

AS luzes de Natal
Não, são os clarões
Dos canhões de 30 mm
As luzes de Natal
Dançam na noite fria
Da cidade deserta

As luzes de Natal
Aos milhares nas ruas
Escondem as estrelas do céu

As luzes de Natal
O olhar e os olhos da criança pobre
Sem brilho

As luzes de Natal
E os cães vadios
Não descansam à noite

As luzes de Natal
Todo o ano só naquela cela
Se permitiu o brilho da opinião.

As luzes de Natal
Acesas na vida dos mineiros chilenos
E na morte dos da Nova Zelândia

As luzes de Natal
E a mão estendida
Dentro do bolso
As luzes de Natal
Glória efémera
De morte anunciada

As luzes de Natal
Penduradas nos discursos oficiais
Já cansados do futuro

As luzes de Natal
De plástico, eléctricas, a velar
A morte prematura das árvores jovens

As luzes de Natal
Flores de melancolia
E solidária solidão


Lisboa, 18 de Dezembro de 2010
Carlos Vieira

Congressista criticou 'grande traseiro' de Michelle - Globo - DN

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No alto dos prédios da Baixa há idosos a precisar de ajuda - Local - PUBLICO.PT

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A Charlie Brown Christmas - Christmas Time is Here Song

Alemaes usam �riso contagioso� contra crise do euro (COM VIDEO)

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39º

A ave que arde na garganta sufoca o grito
Um golpe de asa apaga-se no olhar
O rescaldo é feito de gestos de silêncio aflito
Ternura exausta de árvore secular

Lisboa, 16 de Junho de 2010
Carlos Vieira