Três coisas em demasia e três coisas em falta são perniciosas aos homens: falar muito e saber pouco: gastar muito e possuir pouco; se estimar muito e valer pouco.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
Três coisas em demasia...
o caminho para o coração de uma mulher
Os ingleses dizem que o poder é um afrodisíaco. Ela não estava certa de isso ser verdade; pessoalmente, era totalmente indiferente aos seus atractivos. Eles também dizem que o caminho para o coração de um homem é através do estômago; que um homem será presa fácil para uma mulher que saiba cozinhar. Algures na primeira ou segunda década do século XX, um conhecido erudito chinês terá supostamente acrescentado que o caminho para o coração de uma mulher é através da vagina.
Eileen Chang, Sedução, Conspiração
Eileen Chang, Sedução, Conspiração
tantas lembranças de que não me lembro
Uma coisa que me põe triste
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e já não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num sítio onde só eu ia...
Manuel António Pina, Todas as Palavras
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e já não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num sítio onde só eu ia...
Manuel António Pina, Todas as Palavras
Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelonem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.Eu quero apenas amar-te lentamentecomo se todo o tempo fosse nossocomo se todo o tempo fosse poucocomo se nem sequer houvesse tempo.Soltar os teus seios.Despir as tuas ancas.Apunhalar de amor o teu ventre.
Joaquim Pessoa
Agricultura sustentável
De vez
em quando
volto à timidez
das hortas
às raízes
caladas
das horas
e aí retomo
os altos voos
e desfio
a teia de orvalho
de uma vida
rasteira
a um palmo
acima
da terra.
a um palmo
acima
da terra.
Lisboa, 22 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira
Foto de autor desconhecido
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Resistindo
Resistindo
Enfio-me no vale dos lençóis
de corpo inteiro,
enrolo-me como uma múmia
e ali fico a fingir de morto,
resistindo.
Quando vou no ar já durmo
e apanho as correntes de ar,
estou sem sombra de dúvida
cansado, de mim ou do mundo,
resistindo.
Durmo de costa a costa
e ao chegar de madrugada,
já me esqueci de quase tudo
e começo a vida de quase nada,
resistindo.
Dizem que isto é o sono dos justos
por ser tão profundo e sereno,
estou porém convencido, de que isto é
uma espécie de morte, a que vamos
resistindo.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira
Gala e Dali
Quando eram já muito velhos, o célebre pintor Salvador Dali e a sua mulher, Gala, tinham domesticado um coelho, que depois passou a viver com eles, sem os abandonar um instante; gostavam muito dele. Um dia em que tinham de partir para uma longa viagem, estiveram a discutir até muito tarde, durante a noite, o que haviam de fazer com o coelho. Era difícil levá-lo, mas não era menos difícil confiá-lo a alguém, porque o coelho desconfiava dos homens. No dia seguinte, Gala fez o almoço e Dali deliciou-se com ele, até ao momento em que percebeu que estava a comer um guisado de coelho. Levantou-se da mesa e correu para a casa de banho para vomitar no lavatório o seu animalzinho querido, o fiel companheiro dos seus dias de velhice. Gala, em contrapartida, sentia-se feliz por o seu amado lhe ter penetrado nas entranhas, as ter acariciado lentamente, transformando-se no corpo da sua amante. Não conhecia consumação mais absoluta do amor do que a ingestão do bem-amado. Comparado com esta fusão dos corpos, o acto físico do amor parecia-lhe um prurido irrisório.
Milan Kundera, A Imortalidade
Milan Kundera, A Imortalidade
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