sábado, 18 de janeiro de 2014

Três pequenas parábolas para os meus amigos poetas

Stanley Kunitz

Três pequenas parábolas para os meus amigos poetas



1
Certas espécies de sáurios, especialmente os lagartos, são capazes de largar as suas caudas como forma de auto-defesa quando se sentem ameaçadas. O apêndice separado, assumindo uma vida própria e remexendo-se furiosamente, desvia a atenção para si. Tão depressa como o gato-bravo lança as garras sobre a cauda que se agita, prendendo-a na areia para a abocanhar e esmagar, assim o lagarto livre escapa apressadamente. E uma nova cauda começa a crescer no lugar daquela que foi sacrificada.


2
A larva do escaravelho-tartaruga tem o excelente hábito de recolher os seus excrementos e restos de pele dentro de uma bolsa que carrega às costas quando avança em campo aberto. Se não fosse esse escudo fecal apareceria nu diante dos seus inimigos.


3
Entre os Beduínos, os poetas-pedintes do deserto são vistos com desprezo por causa da ganância, da habilidade para roubar e da sua venalidade. Nos diversos acampamentos toda a gente sabe que os poemas de louvor podem ser comprados, mesmo pelos piores canalhas, com comida ou dinheiro. Além disso, estes bardos vagabundos são conhecidos por roubarem ideias, versos e mesmo canções completas a outros. Muitas vezes a sua recitação é interrompida pelos gritos dos homens agachados em volta das fogueiras: "Farsantes. Roubastes isso deste e daquele!" Quando o poeta tenta defender-se, recorrendo a testemunhas que comprovem a sua honradez ou, em casos extremos, apelando a Alá, os seus ouvintes apupam-no, gritando, "Kassad, kaddad! Um poeta é um mentiroso."



(Versão do Blog Trapèzio Sem Rede; original reproduzido em The collected poems, W.W. Norton & Company, Nova Iorque/Londres, 2002, pp. 234-235).

Muriel Rukeyser reads In Our Time



Na nossa época dizem que há liberdade de expressão.
Dizem que não há castigo para os poetas,
não há castigo por se escrever poemas.
Isto é o que dizem. Este é o castigo.

We are against the war


Aqui há gato




Vejo o gato amarelo
que puxa os estores
e se senta à janela,
observa embevecido
a cofiar os bigodes,
sorrindo sarcástico
para os transeuntes
que estão presos,
ao guarda chuva
à direção do vento,
tiritando de frio
ignoram que existe
um gato amarelo,
omnipotente,
a olhar para eles.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira




                                      Paris Through the Window. by Marc Chagall (1887-1985). Oil on canvas. 1913.

Quando o Meu Amor Vem Ter Comigo


quando o meu amor vem ter comigo é 
um pouco como música,um 
pouco mais como uma cor curvando-se(por exemplo 
laranja) 
                     contra o silêncio,ou a escuridão.... 

a vinda do meu amor emite 
um maravilhoso odor no meu pensamento, 

devias ver quando a encontro 
como a minha menor pulsação se torna menos. 
E então toda a beleza dela é um torno 

cujos quietos lábios me assassinam subitamente, 

mas do meu cadáver a ferramenta o sorriso dela faz algo 
subitamente luminoso e preciso 

—e então somos Eu e Ela.... 

o que é isso que o realejo toca 

E. E. Cummings, in "livrodepoemas" 
Tradução de Cecília Rego Pinheiro



Nightcap


Wild Child


Dylan Thomas