quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Pedem o amor...

Pedem tanto a quem ama: pedem o amor. Ainda pedem a solidão e a loucura.


Herberto Hélder

Os poetas - "No sorriso louco das mães" (Herberto Helder) disco "entre n...

Herberto Helder :: Havia um homem que corria pelo orvalho dentro

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A falta que a música me fez



Tu moravas num 5º andar sem elevador,
o teu namorado tocava violino
e era incrivelmente culto,
sabia à exaustão 
as cenas mais célebres 
do cinema francês
sobretudo "À bout de soufle",
não percebi se havia ali
alguma indirecta.
Enquanto ele ensaiava
nós estudávamos exaustivamente
o processo civil,
a litispendência
eu conhecia exactamente 
cada detalhe da tua pele
toda a matéria.
Tu dizias que não conseguias
deixá-lo pela sua forma de tocar,
eu insultava-me a mim próprio 
perante a minha ineptidão
para a música.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2014


Carlos Vieira

Dou à memória...

«Dou à memória uma razão para que exerça a sua condição de arquivo de existências, reconstituindo-te, recompondo-nos, voltando a colocar a cabeça em cima do teu corpo nu.».


O Amor é para os Parvos, Manuel Jorge Marmelo, Quetzal, 2011

UM GATO PARTIU À AVENTURA





As palavras de vidro que tu depões em teus seios, para me ofereceres, raspam estridentes na camada inacessível dos meus olhos;
Caem e eu sonho para espalhar plumas nos espaços;
Trago na mão esquerda, hermética, fechada duramente, as delicadas linhas epidérmicas,
Leio nesse rendilhado de sensações o roteiro da minha viagem livre, o meu voo solitário, que eu inicio saltando dos telhados para as janelas;
É na abstracção hipnótica do rosa íris que eu te vejo acompanhar a estranha aventura dum albatroz,
E é ao cair da noite que eu aceno longamente os meus braços;
É na harmoniosa vibração azul que eu transmito o Sol vermelho do poente e da tristeza, e , quando as minhas mãos se transformam em pérolas puras, os teus olhos gelam para serem os gigantes da noite;

Livre um gato desliza pela goteira escura da cidade,
livre uma pequena ilha nasce no ponto ignorado do Oceano,
livres as ondas escorregam na superfície marinha,
livres os pássaros e os cavalos na noite da lua encarnada,
livre eu chamo-te dos cumes das serras,
livres as ondas os cavalos e os pássaros;

Abandono a terra da ilha para viver nos abismos, nas cidades que crescem, nos beijos que enchem o vento,
E oiço a imensa máquina que esmaga o ferro da estrada construída, a cortina sedosa dos teus cabelos, eu e tu,
e vejo o cego que avança com os braços levantados para o mundo incompreensível,
e liberta os corpos visíveis: os teus lábios, os teus seios, o teu sexo; e mães batem às janelas e imploram: LAMA!,

A um canto morre em agonia o primeiro grito;

O gato parte à aventura pelos telhados, pelos vales e pelos sonhos.

(A Zunái está diagramada e em fase de revisão, ufa...)

O amor que se vive do lado de dentro



Entrou no labirinto
do seu corpo,
tirou o casaco, a gravata, o cinto
e pendurou-os na grelha costal do lado direito,
numa costela verdadeira,
depois pela primeira vez
sentiu o seu coração esmagado naquele peito.
Quanto era por vezes exíguo
e outras vasto o lugar do amor,
assim jamais encontraria
o caminho para sair dali,
quanto é tangível e sinuoso
e com defeito
do lado de dentro.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira