sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

PEQUEÑO NOCTURNO



¿Ese temblor que pasa es la vida?
¿Y ante qué soledad es que hoy canto?

No sé de dónde provienen esos ruidos que en la noche asustan:
la caja de fósforos
las cosas que se cambian de lugar y no aparecen.

Suponemos que todo esto es el mundo
enormes colecciones de tristezas, llaveros y estampillas de mares lejanos.

Es acá donde sucedo
sin aduanas ni requisas
ni adioses a destiempo.

Un poco de hambre
y el cansancio de llenar la estantería de ausencias.


Excerto do Grande Gatsby

"Se a personalidade é uma série de gestos bem sucedidos, havia algo de grandioso nele, uma brilhante sensibilidade às promessas da vida, como se ele fosse parente de uma dessas máquinas intrincadas que registram terremotos a dezesseis mil quilômetros de distância. Essa receptividade não tinha nada a ver com aquela débil impressionabilidade dignificada sob o nome de “temperamento criativo” – era um dom extraordinário para a esperança, uma prontidão romântica que jamais encontrei em outra pessoa e que provavelmente jamais encontrarei."

O Grande Gatsby

Sentado próximo...


Sentado próximo de um cadáver,
como uma perna de galinha

As carnes muito brancas,
os olhos muito abertos,
a língua dura e roxa,
o céu da boca azul:
não parece já, apetecer-lhe almoço

Passei à sobremesa,
em óptima melancia enterro o meu dente;
com a língua dou um estalo
o sabor é excelente

Daquele corpo pútrido,
o cheiro já mal aguento;
cuspo uma pevide,
acerto-lhe no ventre

Ainda estou para entender,
da morte, esta alquimia:
quando a sento à minha mesa,
a galinha sabe a faisão
e a melancia duplamente a melancia

em Sião, organização e notas de Al Berto, Paulo da Costa Domingos e Rui Baião, Lisboa: Frenesi, 1985, p. 2001.

Na cervejaria com Ruy Belo

Mas quando Maria se encaminhou para o balcão, descobriu que diante de um acampamento de canecas de cerveja havia um vulto. Não se podia ver da entrada porque estava encoberto por uma coluna de lagostas vivas dispostas numa vitrina quase até ao tecto.

Maria sentou-se ao balcão no sítio onde acabava o estendal de canecas vazias e pousou a malinha e os óculos de sol no banco ao lado. O vulto lia A Bola apoiado numa cerveja a florir de espuma. Era um indivíduo louro e encorpado, um tanto para o gordo; cabeça à meia calva, salpicada dum orvalho que era o transpirar da fresca e esfuziante bebida matinal; mãos mimosas embora sólidas, de anjo camponês (se é que há disso, anjos camponeses). Maria viria a saber que estava na presença do poeta Ruy Belo que só conhecia pelo lido

Como era de esperar, o poeta Ruy Belo ao vivo e em tal e qual não tinha nada que fizesse supor o dos versos. Bebia cavalarmente (coisa que não constava por escrito) pois já tinha com ele uns largos litros de cerveja e ainda a manhã ia no princípio. Lia A Bola com a devoção de quem lia o Plutarco, ao mesmo tempo que mastigava de maneira truculenta tremoços apanhados ao acaso e até migalhas deixadas no balcão sabe-se lá por quem.


José Cardoso Pires

Pequeno comércio XI



Comprem! Comprem!
São produtos da terra,
chegados agora,
são o exposto,
sem corantes
nem conservantes,
o que há de mais puro.
Os fregueses compravam,
sentiam-se mais leves,
menos promíscuos,
libertos do vil metal
que tinha andado
de mão em mão.
Um pequeno truque,
que permitia
em troca,
o lavar a alma,
o curar as dores ,
suprir-lhe a culpa
sentirem na boca
estarem próximos
do chão,
a um preço módico
ali mesmo à mão.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O coração que nunca mais cresce



Desespera
de ser tão desastrado
nestas coisas do coração,
nas dos pulmões nem por isso
já são dez anos sem fumar.
De qualquer forma,
é indiferente.
Se o deixasses respirar,
se o coração lhe voltasse
a obedecer,
se só de olhar-te
deixasse de tremer,
se não te mandasse
passear,
por estar farto 
de te aturar,
se fosse
tudo ao contrário,
já não eras tu
nem era ele.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira


CON LA LLUVIA NO PENETRAN OTRAS AGUAS


Yo amaría a esa mujer que deambula
por un desierto de noches heladas
mientras le llegan los rumores de algún puerto
pero no rompen ellos su silencio
ni suavizan los surcos
que el dolor trazó en su cara
La amaría porque no se doblega
porque con la lluvia no penetran otras aguas
porque su cuerpo se abre ahí
donde a la primavera no le alcanza

Martha Carolina Dávila

O Medo...

O medo caminha de cabeça erguida neste planeta. o medo quer, pode e manda, próspero e eminente. O medo tem-nos a todos presos por um fio aqui em baixo. É verdade, meu caro. Filha, não te faças de desentendida... Um dia destes vou fazer frente ao medo.Vou fazer-lhe frente. Alguém tem de o fazer. Vou enfrenta-lo e dizer: Muito bem, cabrão, já chega. Já nos andas a dar ordens há tempo de mais. Eis alguém que não te quer aturar mais. Acabou-se. Fora!


Martin Amis

You are so brave


Ernest Hemingway

Dentro da pedra


Cedo ao rastro de restos que
me tenta até ti
(pernas de nylon vazias
sapatos
desafogados)
metades desirmanadas que
arrumo no poema. Posso
disturbar
o teu espaço? Entrar e ficar a ver?
Estás
sob a linha d'água
(gume
que fere o mamilo)
como um escultor pergunto
com a precisão de poros 
pela 
mulher dentro da pedra.
Desenrolas da torneira o 
novelo que te veste
(o
corpo em repouso contem
a soma dos movimentos)
lavo-te
até ao teu cheiro até
respirar de ti
o
perfume verdadeiro.



João Luís Barreto Guimarães
Rés-do-Chão
Gótica
2003

sejas fogo...

sejas fogo
imortal

talvez um dia
sejas luz
total

talvez
um dia tropeces na verdade
já moribunda


José António Franco

Estou por dentro do lado de fora do amor


Murmuro
o teu nome
tiro os sapatos
não te quero acordar
talvez nem vás responder
devagar quero ser dos sonhos
onde me pedes para te defender
no entanto fico aqui do lado da insónia
do teu sono agitado e de tocar os teus lábios
ao de leve deste lado do amor atento
onde não me podes ver.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira


Pretérito mais que perfeito



Ela saíra há muito
da minha vida
no entanto
por vezes
regressara
um pouco ferida
desamada
um pouco esquiva
quase sempre
sem saber
porque voltara
porque saíra
da sua vida.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Poema em pé

O poema 
deve afirmar-se 
na perpendicular
do tempo
estar preparado
para o pior
dar o peito
às balas
e a mão 
aos que caíram
ao seu lado
por um mundo
melhor.

O poema
ainda que 
corra paralelo
ao mar
e os versos 
se sobreponham
alinhados
no horizonte
são apenas 
caminhos
que nos céus
nos lançam
abismados
a aprender
a voar.

O poema 
deve ser 
erecto 
sem medo 
sem vergonha 
sem pudor 
e as palavras 
praticarem
a ternura
e o sexo alegre 
firme 
e sedutor.

Um poema 
deve içar-se
como um sabre
ao cimo da terra 
astro
que se não 
alumiar
dá calor.

O poema 
deve ser 
de pé
paciente
sem idade
aguentar
em silêncio
até chegar
a hora
da verdade.

O poema 
pode ser 
uma árvore
onde crescem 
ninhos
e países
se colhem 
frutos
e aromas
de cidade
em flor 
onde se criam
as raízes
e se molda
a vontade.

O poema
deve ser 
o que for
um peixe
à volta 
da pedra
um animal
acossado
pelo vazio
por amor.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014


Carlos Vieira

The Most Beautiful "Ave Maria" I've ever heard (Michal Lorenc, 1995) wit...

Duras: Duchamp - John Zorn [Full Album]

Pequeno comércio X


O livro, esse indiscritível rectângulo negro
rosário de pequenas contas
jardim de flores de carvão a crédito

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio IX



Do pepino cortado em quatro 
os cristais dos grãos de sal e a fatia 
que o vermelho vivo da tua boca mordia.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio VIII



A voz fresca da avó Vitória
coincidia com a alegria das alfaces
no canto dos grilos.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio VII



Tu sabes o que é devorar
sonhos de cenoura
ao nascer do sol?

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio VI


Nunca me esquecerei
da inesgotável fragância
das tangerinas nas tuas mãos.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio V



O silêncio arrumado
das prateleiras
e o apelo perfumado
das vitrinas
dos mármores
discretos
a pequena
margem
discutível
dos preços
manuscritos
no pequeno
tráfico dos afectos.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio IV



as couves portuguesa e lombarda
estendem a sua solidão de clorofila deitada
vencidas pelo perfume dos coentros 
da salsa e da hortelã
e a vigilância cortante
de latão da máquina
do caldo verde

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Pequeno comércio III



A minha avó e o meu avô 
na cama , ele a ressonar, e ela
fazia lista numa folha de papel pardo
5 molhos de nabiças, 5 de repolho, 
5 de couve portuguesa, 5 quilos de cenoura, 
3 de pimentos, 10 de tomates, 29 alfaces, 
5 de feijão verde, 5 de feijão verde, 5 de feijão verde,
eu adormecia entre as frutas e os legumes,
nos sonhos que sempre se seguiam
irrompiam frescos os bolos vespertinos 
do mercado do Rego.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Pequeno comércio II



a avó materna levou 
a mão vaidosa à banana
a outra acalmava o frágil coração
sopesando sempre os dois pratos da balança

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

Pequeno comércio I



no lugar da minha avó
as romãs e os seus olhares fulminantes
perante as mãos desastradas das clientes

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira


Infinitude II



A chuva cai 
miudinha 
sob a cidade
o frio alastra 
totalitário
entreolhamos-nos
exaustos
vencedores
das intempéries
sequiosos
das palavras
que nos despem
e tornam
humano
o infinito.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Infinitude I



Olho-te
tu és apenas um ponto
no horizonte,
partiste quando se instalou
entre nós o silêncio,
agora esbate-se o nome
das coisas
perdido que estou
nesta terra de ninguém,
abandonado
ao turbilhão da perplexidade,
no teu inesperado
esquecimento,
que sejas então um ponto 
no ocaso,
onde principia
um novo mundo.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

Do Not Stand At My Grave And Weep


Do not stand at my grave and weep
I am not there. I do not sleep.
I am a thousand winds that blow.
I am the diamond glints on snow.
I am the sunlight on ripened grain.
I am the gentle autumn rain.
When you awaken in the morning's hush
I am the swift uplifting rush
Of quiet birds in circled flight.
I am the soft stars that shine at night.
Do not stand at my grave and cry;
I am not there. I did not die. 

starlings in winter


Ah, world, what lessons you prepare for us,
even in the leafless winter,
even in the ashy city.
I am thinking now
of grief, and of getting past it;
I feel my boots
trying to leave the ground,
I feel my heart
pumping hard. I want
to think again of dangerous and noble things.
I want to be light and frolicsome.
I want to be improbable beautiful and afraid of nothing,
as though I had wings.


Mary Oliver

A sabedoria e a loucura

"Segundo a definição dos estóicos, a sabedoria consiste em ter a razão por guia; a loucura, pelo contrário, consiste em obedecer às paixões; mas para que a vida dos homens não seja triste e aborrecida Júpiter deu-lhe mais paixão que razão."Erasmo de Roterdão, O Elogio da Loucura

Andei pelas bainhas...


Andei pela bainha dos dias
costurando paisagens
colhendo suspiros
sorrisos
palavras breves
frutos para trincar em horas azedas

corro hoje
despido pelos trilhos da tua pele
rindo muito
fazendo-te cócegas
soletrando afagos
e perdendo as mãos
no atalho das tuas mãos

in... Amo-te /poemas para gritar ao coração - JOÃO MANUEL RIBEIRO - Trinta por uma linha

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s de solidão

 /



Solidão é uma palavra obscena. É mesmo a única palavra irremediavelmente obscena de que já ouvi falar. Cheira a atropelos, pudor, colhões, e tenho medo. Medo – um homem pode dar por si  a cometer crimes sem grandeza. Assassinar, por exemplo. Princípios superlativamente adolescentes. Prefiro a decomposição da pele, uma taberna entre cabeços, o petróleo de candeeiros que projectem sombras imóveis, recantos, pequenos estrumes. E já agora, se me dão licença,  um frio de certo modo inculto a bater no vidro da janela, nos ossos, talvez nos ossos quando se acaba o dinheiro. Mas é humano, bárbaro e humano. Uma espécie de sinfonia entregue ao poder de cada qual, arrecadações da alma, mansas. E dardejante o círculo azul de um copo de aguardente, aguardente, imagine-se, a saltar dentro de si, a subir, a subir, e um homem a dizer, imortal: senta-te, copo. Bebe comigo. E ele senta-se e bebe. É remoto, quase no outro lado das trevas. Mas magnifico, oh, tão magnífico. E ainda há quem me fale de escritores, romances, e até de revoluções. Balelas. Quero uma nora que pare o mundo rente ao ao fogo do inferno. E a água detida, doente, de preferência afogada pela mão de Deus a arder. Nada de riscos. Eis do que falo. Precário, inviolado, entregue ao soalho.

Poesia em hora de ponta



O cidadão abriu
o vidro do carro
e atirou o poema
pela rua fora,
o vento levou-o,
os condutores
os piões, os polícias
de trânsito,
estavam indignados,
não se sabe
se pela ousadia,
falta de respeito,
se ignorando
tudo isso,
o lixo
que pode ser
ou era a poesia.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

El silencio

Poema El silencio

de José Emilio Pacheco, poeta mexicano que morreu ontem 27 de Janeiro de 2014



La silenciosa noche. Aquí en el bosque
no distingo rumores, no, de ninguna especie.
Los gusanos trabajan.
Los pájaros de presa hacen lo suyo
(seguramente).
Pero no escucho nada.
Sólo el silencio que da miedo. Tan raro,
tan raro, tan escaso se ha vuelto en este mundo
que ya nadie se acuerda como suena,
ya nadie quiere
estar consigo mismo un instante.
Mañana
dejaremos de nuevo la verdadera vida para
mañana.
No asco de ser ni pesadumbre de estar vivo:
extrañeza de hallarse aquí y ahora en esta hora tan muda.
Silencio en este bosque, en esta casa
a la mitad del bosque.
¿Se habrá acabado el mundo?

São 7h30 da manhã...

São 7h30 da manhã
passo junto ao novo circuito de manutenção
de Alfornelos
sentado no banco dos abdominais
um homem de meio idade
a pensar na vida
em frente 
o Cemitério de Benfica.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014 
Carlos Vieira

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Devia ter sete anos...

Devia ter sete anos
de vez em quando
agarrava-me às grades
e espreitava os bichos,
a única diferença
para aqueles é que 
para eles não era só
de vez em quando.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014


Carlos Vieira

Sempre me intrigou...

Sempre me intrigou
a competência
com que os elefantes escolhiam
moedas escuras e as claras
e não houvesse pelo menos um
que reagisse em contracorrente
que ao tocar o sino 
quebrasse o ciclo 
ultrapassando o fosso da pobreza.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



Naquele tempo...

Naquele tempo
saíam com os elefantes
e iam passear à noite
em fila indiana
na Estrada de Benfica
não sei o que mais
me espantava
se a admirável grandeza
dos animais
dos tratadores
ou a estranheza
da sua marcha tranquila
pela cidade.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014


Carlos Vieira

Olho...

Olho 
para a minha infância
na Travessa das Águas Boas
e recordo-me 
de uma girafa a mascar
e por cima da sebe
observando divertida
as nossa brincadeiras.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



Palavras para que vos querem



as palavras erguem-se 
pesadas
sobre o ruído mecânico 
das ruas
reconheço-as
pela acústica vibrante 
das suas asas
pousadas nos candeeiros 
à espera da luz, 
nos sinais de trânsito 
de mão estendida 
nos semáforos, 
palavras bichos 
que sobem pelas árvores
pelas varandas 
e pelas esplanadas,
apertadas 
em escadas antigas 
mal iluminadas,
cuspidas 
com sangue 
e vómito e imprecações
mal amadas,
curtas
atingidas por punhos 
e bofetadas
em murmúrios de misérias 
envergonhadas 
ou em gritos violentos 
de amores reencontrados,
suburbanas
atiradas 
como quem rosna
e roubadas
à tristeza,
palavras de alivío
de desencanto, 
libertas 
das garras do silêncio,
esquecidas 
em grutas
pedras preciosas 
nunca usadas,
palavras de usar
e deitar fora
fora de horas,
penduradas 
de andaime em andaime,
em roldanas 
retiradas de poços,
do eco dos claustros,
palavras arrancadas 
de dentro de si próprio 
para serem flores 
ensanguentadas, 
provas de um amor 
que não se soube dizer
presas à garganta,
aves 
que lhe devoram
o peito, 
palavras gravadas 
a ferro e fogo,
nos corredores do tempo
de silêncio
da descoberta,
incineradas,
cujas cinzas 
não conheceram ventos,
caladas para lá 
dos portões da vergonha,
onde o trabalho liberta.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Gosto de confundir...

Gosto de confundir frutos silvestres
com cheiros a beijos.

Gosto de confundir os seres celestes
com a hora das ideias primeiras.

J. Alberto de Oliveira 

The Hand

The teacher asks a question.
You know the answer, you suspect
you are the only one in the classroom
who knows the answer, because the person
in question is yourself, and on that
you are the greatest living authority,
but you don’t raise your hand.
You raise the top of your desk
and take out an apple.
You look out the window.
You don’t raise your hand and there is
some essential beauty in your fingers,
which aren’t even drumming, but lie
flat and peaceful.
The teacher repeats the question.
Outside the window, on an overhanging branch,
a robin is ruffling its feathers
and spring is in the air.


Mary Ruefle

From Cold Pluto, 1996, 2001
Carnegie Mellon University Press


Copyright 1996, 2001 Mary Ruefle.
All rights reserved.

Aconteceu assim...

Aconteceu assim: estavam casados há quarenta e seis anos. Os filhos casaram, saíram de casa ou ficaram pelo caminho. Então tiveram cães. Sete ao longo de quase meio século. (Possuíam uma velha casa húmida, sobre o comprido e estreita e que cheirava a esgotos sem que eles o notassem: sinistro). Nenhum cão foi mais amado do que Júlio, um cão de apartamento, branco e sujo. Era muito meigo e passava o dia a lambê-los até obter o que desejava. Dormia aos pés da cama e aos primeiros alvores da madrugada ia acordá-los com grandes lambidelas. Um dia, a velha ficou cheia de ciúmes, convenceu-se de que ele preferia o seu marido. Calou-se, não disse nada, sofreu em silêncio e tentou conquistar o cão por meio de manhas e guloseimas; mas Júlio continuou, sem dúvida devido a uma escolha firme, a lamber primeiro as mãos do velho. A mulher envenenou aos poucos o marido. Conta-se que o cão morreu no mesmo dia que o dono, mas trata-se de uma liberdade poética; na realidade sobreviveu mais três anos para grande alegria da boa senhora.


Max Aub, Crimes Exemplares

Revista Cult » Enrique Vila-Matas e a escrita da ausência

Revista Cult » Enrique Vila-Matas e a escrita da ausência

A Minha Amante



Dizem que eu tenho amores contigo!
Deixa-os dizer!…
Eles sabem lá o que há de sublime
Nos meus sonhos de prazer…
De madrugada, logo ao despertar,
Há quem me tenha ouvido gritar
Pelo teu nome…

Dizem - e eu não protesto -
Que seja qual for
o meu aspecto
tu estás
na minha fisionomia
e no meu gesto!

Dizem que eu me embriago toda em cores
Para te esquecer…
E que de noite pelos corredores
Quando vou passando para te ir buscar,
Levo risos de louca, no olhar!

Não entendem dos meus amores contigo -
Não entendem deste luar de beijos…
- Há quem lhe chame a tara perversa,
Dum ser destrambelhado e sensual!
Chamam-te o génio do mal -
O meu castigo…
E eu em sombras alheio-me dispersa…

E ninguém sabe que é de ti que eu vivo…
Que és tu que doiras ainda,
O meu castelo em ruína…
Que fazes da hora má, a hora linda
Dos meus sonhos voluptuosos -
Não faltes aos meus apelos dolorosos
- Adormenta esta dor que me domina!

SILÊNCIO



Uma noite,
quando o mundo já era muito triste,
veio um pássaro da chuva e entrou no
teu peito,
e aí, como um queixume,
ouviu-se essa voz de dor que já era a tua
voz,
como um metal fino,
uma lâmina no coração dos pássaros.
Agora,
nem o vento move as cortinas desta casa.
O silêncio é como uma pedra imensa,
encostada à garganta.


José Agostinho Baptista

I classici dell'arte si animano con la magia del digitale

domingo, 26 de janeiro de 2014

Anjo desumano

anjo desumano

ali sentado 
no banco 
o anjo
da estação central
parte ou abraça 
com o olhar cruel
o comboio 
que sai 
ou que chega
quer lá saber
do viajante
que passa
traz a mala 
e o coração vazios
asas avariadas
sem destino
e lugar marcado
em equipamentos
coletivos
e mobiliário urbano
anjo caído do céu
desempregado
ébrio
morre de fome
e solidão 
que já foi divino
e deixou 
de ser humano.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira


Diz Toda a Verdade


Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente - 
O êxito está no Circuito 
É demasiado brilhante para o nosso enfermo Prazer 
A esplêndida surpresa da Verdade 

Como o Relâmpago se torna mais fácil para as Crianças 
Com uma amável explicação 
A Verdade deve ofuscar gradualmente 
Ou cada homem ficará cego - 

Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas" 
Tradução de Nuno Júdice



Ódio ao corpo...

Ódio ao corpo, andam esses a dizer há dois mil anos, como se neste curto lapso de tempo da história do homem só devesse haver fantasmas descarnados. Ódio ao corpo, o teu e o meu, disfarçado em tarefas vis e loas absurdas, cobardias pequeninas. Nada disso é gente e eu gosto de estar com gente (falo de corpos), um enchimento de gente à roda, compacta, onde recebemos e damos, estamos e lutamos, sofremos em comum e gozamos. Onde tudo de nós é ampliado, revigorado, e medido pelo colectivo, pelos outros - espelho e limite, cadeia e espaço imenso, liberdade e nossa conquista.

Luís Pacheco, Comunidade

Morte em veneza


De muitas coisas se pode morrer
em Veneza
De velhice de susto
de peste

ou de beleza


Jorge Sousa Braga, Poemas com Cinema

No relógio...

No relógio da estação
o comboio chega sempre atrasado
à avidez do teu beijo.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014


Carlos Vieira

Descreves...

Descreves o círculo vicioso
sobre o seu silêncio
e tu ali à distância de um raio.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Paro...

Paro
no sinal de perda
de prioridade
e vejo a minha vida
em "slow motion"
e o coração
em ritmo acelerado
ouço ao longe
os claxons a apitar.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Velho, não.

Velho, não.
Entardecido, talvez.
Antigo, sim.
Me tornei antigo
porque a vida,
tantas vezes, se demorou.
E eu a esperei
como um rio aguarda a cheia.


Mia Couto

Sonnet IV: Bright Star of Beauty


Bright star of beauty, on whose eyelids sit
A thousand nymph-like and enamour'd Graces,
The Goddesses of Memory and Wit,
Which there in order take their several places;
In whose dear bosom sweet delicious Love
Lays down his quiver, which he once did bear,
Since he that blessed Paradise did prove,
And leaves his mother's lap to sport him there.
Let others strive to entertain with words;
My soul is of a braver metal made;
I hold that vile which vulgar wit affords;
In me's that faith which Time cannot invade.
Let what I praise be still made good by you;
Be you most worthy, whilst I am most true. 

Reconciliação




Há-de uma grande estrela cair no meu colo...
A noite será de vigília,

E rezaremos em línguas
Entalhadas como harpas.

Será noite de reconciliação -
Há tanto Deus a derramar-se em nós.

Crianças são os nossos corações,
anseiam pela paz, doces-cansados.

E nossos lábios desejam beijar-se -
Por que hesitas?

Não faz meu coração fronteira com o teu?
O teu sangue não pára de dar cor às minhas faces.

Será noite de reconciliação,
Se nos dermos, a morte não virá.

Há-de uma grande estrela cair no meu colo.


*****

a magnólia

 

A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor. 

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala. 
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
Perdido na tempestade, 
um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim. 

luiza  neto jorge
o seu a seu tempo
poesia
assírio & alvim
1993



este choro que arranha e lava

 / 




1
Tirava os quadros da parede. Voltava a pendura-los. Olhava. Mas quem lhe diz que visse. Repetia a mesma faixa do disco. Escutava. Mas quem lhe diz que ouvisse. Queria chegar a uma conclusão, isto podemos afirmar sem dúvida. Mas quem lhe diz que houvese. E quem lhe diz que fizesse diferença haver ou não haver. E quem lhe diz que todo o caminho não fosse exactamente não chegar. Ninguém lhe diz. De facto, ninguém lhe diz.

2
Era assim que agora saiam as palavras. Como pedras das mãos espantadas. Como gritos, como facas subitamente desferidas contra a página onde se calavam. Longe ia o tempo dos ofícios desesperados. Longe ia o tempo também das crenças iluminadas. As palavras, essas que sem querer continuava a escrever, já não sabia procura-las, chamar por elas, vagarosamente prendê-las no seu redil. E era sem que o esperasse mais feliz assim. Lábios com a forma da sua boca fechada.

3
Toda a vida tentara entender a vida, vivê-la como ideia que pudesse pensar. Só agora percebia que a vida era outra realidade. Uma brisa inesperada na face. Uma areia encravada sob a pálpebra. Nada que alguma vez tivesse pensado. Esta lágrima. Este choro que arranha e lava.


jorge roque
telhados de vidro nr. 12
averno
maio 2009



precária perda



saíste agora
para a rua,
eu fiquei
em casa
a escrever
este poema
do que ficou de ti
e daquilo que perdi,
como se fosse 
um inventário,
incrédulo
de que um dia
possa ser
definitivo

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

O horror vacui ( Horror ao vazio)



São mínimos 
os afastamentos
vamos habituando-nos
à penumbra
vai-nos bastando
a aparente
cumplicidade
da mão 
que se estende
de dentro da ausência.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Cara ou coroa!



" - É cara ou coroa!"
A moeda de um euro
subiu, brilhou e caiu,
por coincidência
desapareceu
num buraco
de toupeira
que ao ver 
a moeda,
não se sabe 
com cara ficou
e fará dela agora
coroa da sua pobreza.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Assoam-se-me...

Assoam-se-me à alma, quem
como eu traz desfraldado o coração
sabe o que querem
dizer estas palavras.
A pele serve de céu ao coração.


Luís Miguel Nava

Uma tangente voltaica...

Uma tangente voltaica.
Porque o martelo
é uma entoação
sobre o fogo.

plataforma logística

plataforma logística

escrever um 
poema como se trabalhasse
numa plataforma 
as gruas a estenderem os seus 
grandes braços de um amor excessivo
os estivadores de fatos de macaco azul
mantidos a alguma distância
nada de sermos contaminados pelo trabalho
depositamos os contentores 
como se fossem estrofes sobrepostas
e olhamos para eles brancos, azuis e amarelo torrado
carregados de substância
prenhes de distância
a tresandarem do nosso enorme ego
depois com as luvas e as máscaras
e botas cardadas introduzimos-nos na realidade
sentimos o seu cheiro nauseabundo
vamos acompanhar os técnicos 
na verificaçao de alguns poemas 
que não cumprem as cerificações
se estão dentro do prazo de validade
sobretudo aqueles 
que são feitos com produtos perecíveis
o amor, a solidão, a infância
não aguentam muito
a seguir com o monta cargas
em silêncio desviamos paletes
de versos que se vendem com mais facilidade
no mercado paralelo
gosto deste movimento das palavras
menos escolhidas
de português vernáculo
e da poesia 
a cheirar óleo queimado e peixe podre 
a um gesto sucinto 
de amor sem abrigo
que coincide com madrugada 
que irrompe entre os silos e a maré vazia 
e a última ronda da noite

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira


O pórtico das pequenas vergonhas



Cá estou eu outra vez,
descalço,
o mais próximo da humanidade
sem amor
como agora se usa,
por culpa do detector de metal
com quem mantenho
uma relação muito próxima,
fruto dos meus nervos de aço
e do polietileno
da minha perna,
de novo sujeito 
a revista pessoal,
a essa atenção desmesurada
e que não mereço,
as calças sem cinto 
caindo-me pernas abaixo,
tudo muito profissional
muito transparente
à vista de todos,
espero que não fiquem
muito mais tempo,
aí embasbacados
chocados com o amarelo
vislumbrado
das minhas cuecas
ou com o dedo grande do pé,
a espreitar 
a "meiita" rota,
no outro dia quase ia
mostrando as vergonhas.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

A Esperança de uma Relação Profunda


Conhecemos as pessoas durante anos, até mesmo dezenas de anos, habituamo-nos a evitar os problemas pessoais e os assuntos verdadeiramente importantes, mas guardamos a esperança de que, mais tarde, em circunstâncias mais favoráveis, se possam justamente abordar esses assuntos e esses problemas. A esperança, sempre adiada, de um relacionamento mais humano e mais completo nunca desaparece completamente, porque nenhuma relação humana se contenta com limites definitivos, restritos e rígidos. Permanece, portanto, a esperança, de que haja um dia uma relação «autêntica e profunda». E permanece durante anos, até mesmo décadas, até que um acontecimento definitivo e brutal (em geral, uma coisa como a morte) vem dizer-nos que é demasiado tarde, que essa «relação autêntica e profunda», cuja imagem tínhamos amado, também não existirá; não existirá, tal como as outras. 

Michel Houellebecq, in 'As Partículas Elementares'



Vamos morrer...

"Vamos morrer. Eles sabiam disso, e suas últimas palavras a suas famílias foram: ‘Eu amo vocês.’ Mesmo no sofrimento, suas últimas palavras foram de amor… Pessoas que poderiam ter se salvado e em vez disso correram de volta para salvar outros. Se a humanidade é capaz disso, como posso perder a esperança na humanidade?"

Ellie Wisel

Nos teus lábios...

Nos teus lábios a noite
descreve um arco.
É o ciclo da melancolia
que se fecha.
Talvez não regresse.
Por outros sinais
lamentaremos a beleza
que, nos teus lábios,
a noite fez cessar.

Poesia




Se outras preferiam os tecidos de seda
do desejo
ela dava-se à ganga coçada
do amor
depois de noites mal dormidas.

Derivava pelas ruas perdidas
de uma cidade de luzes aquosas
opostas ao comércio
livre jogando a não ser vista
senão nos inquietantes interlúdios
das árvores.

Pautávamos os nosso sonhos
pelos seus inaudíveis passos,
toques insistentes à porta
a desoras e sem avisar.

Nunca fomos tão felizes
como quando arrancados
literalmente da cama
a seguíamos pelas alamedas
até a um mar sem dano.

Porque de praias e luz
era feito o nosso corpo,
essa espécie de fome.
em Postos de Escuta, Lisboa: Presença, Colecção Forma, 1ª edição, 2003, pp. 31-32.

do nada à minha margem

     É um negro voo...

Mistura de águas profanas
com esta morte que triunfa
de um sonho proibido...

É a magia de esquecer
as cintilações
de uma angústia erguida.

É o sono.
O sono eterno
que me cobre.

É o furor de amar
esta loucura inocente
que passeia o meu corpo.

É o regressar a casa
fiel ao desejo
de esquecer a ilusão
de quem escolhe
os desesperos de um só instante.

É o poeta que rebenta na tua voz.

É o poeta
ensanguentado pelos poemas
que bebi
com cuidado.

É o poeta
que traz a chuva
que apenas existe na lúcida memória
das coisas não existentes.
O poeta
que me resume
e não me lê...
que me teme
e não me vê…

É o poeta de mim...

O naufrágio
que reembarca
do nada à minha margem.





conceição t. sousa
poemas do tamanho de nós
cordão de leitura

a ruela

a ruela
de geometria variável
exembriagada
é um arremedo de artéria
sem misericórdia
sem estudos
esconsa e de luz dura
ali abundam
os biombos que escondem
a miséria
uma ternura de punhal
ao ritmo 
de música pimba


a ruela
dos olhares libidinosos
e das mulheres da rua
de seios de silicone
generosos
assobiando
da ombreira da porta
em pinturas
de guerra seminuas
com nuances
em adolescentes
anoréxicas 
tão cedo já velhas
de faca na liga
e facilidade em preservativos

a ruela
é de pequenos "dealers"
consumidores
traficando o panfleto
com produto de corte
no saguão
onde uma luz difusa
decompõe a agulha
a veia e o garrote
a tolerância
aos riscos e aos ácidos
e vamos experimentar
e foge que vem aí
a bófia
já não se pode estar
descansado
na Terra

a ruela
esse laboratório social
de frascos
de perfume barato
e desemprego
de longa duração
e sabores exóticos
de grafittis
e retortas e pipetas
de alcóolicos anónimos
e bisturis
improvisados
de velhotes
que se atiram das escadas
por não chegarem à janelas
nos bazares chineses
há bugigangas
e como são oportunas
estas estruturas e objectos
a funcionar
como redes informais
de suporte

ouve-se o tamarelar
de línguas cada vez menos
estranhas
na ruela
cada vez mais 
cosmopolita
nome técnico para o caos
para a falta de raízes
e traficância de deuses
cada vez somos mais
poliglotas
uns falam em alhos
e outros em bugalhos
cada vez mais fluentes
e mais descartáveis

as ruelas
no fim de contas
apenas tem a ver com m2º
com decíbeis
com a potência do contador
e nada mais
gosto desta precisão/explicação
científica
tecnológica
desta gente 
perfeitamente integrada
no seu meio cultural
e que para o mundo
é apenas um número marginal

Lisboa, 25 de Janeiro de 2914
Carlos  Vieira

sábado, 25 de janeiro de 2014

Gosto do tiro ao arco...

Gosto de tiro ao arco, de sentir a madeira do punho, da tensão imperturbavel que antecede o soltar da corda, de observar a elegância do voo da seta, sabendo que na leveza das suas penas, leva o suor dos meus dedos.
Na instável maçã vermelha, vislumbro o pânico no olhar do filho de Guilherme Tell, guardo comigo, uma última seta na aljava, para defender o teu amor, uma ideia antiga de país, onde se pode ouvir o silvo das palavras em liberdade.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira